Trabalhadores independentes e discriminados

Para a Segurança Social, as necessidades de apoio familiar das pessoas dependem do regime laboral em que se encontram.

Entre os sobressaltos da pandemia, a multiplicação de medidas preventivas e o anúncio em catadupa de iniciativas de apoio a empresas e famílias houve sempre um elo mais fraco: os trabalhadores independentes, sejam eles falsos ou verdadeiros emissores de recibos verdes. Esses trabalhadores ficaram de fora das primeiras medidas do Governo para mitigar os efeitos da redução da actividade e dos seus rendimentos, e quando esta penalização absurda se corrigiu foi-lhes exigida uma carga burocrática e uma série de exigências que transformaram a obtenção de qualquer apoio num calvário. Quase dois anos depois, continuam a ser vítimas de uma discriminação incompreensível e inaceitável.

Uma carta da provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, ao Governo com data de Dezembro último dá conta dessa discriminação de forma liminar. Por ela, ficamos a saber que milhares de portugueses que trabalham por conta própria ou trabalham para outrem num regime de contrato sem vínculo permanente (como os que emitem recibos verdes) não dispõem de qualquer apoio para dar assistência a filhos ou netos em situação de isolamento profiláctico. Quer isto dizer que, para a Segurança Social, as necessidades de apoio familiar das pessoas dependem do regime laboral em que se encontram. Se integrarem o quadro de uma empresa, podem apoiar as suas famílias sem perderem rendimentos por terem de ficar em casa; se forem trabalhadores independentes, estão limitados a exercer este direito e dever básico.

Custa a entender esta discriminação, até porque se sabe que muitos dos trabalhadores independentes estão na escala mais baixa da estabilidade laboral, dos rendimentos e dos direitos. Para a Segurança Social, o que está em causa é a interpretação e aplicação de “normas” legais; para a provedora de Justiça é a óbvia violação do princípio constitucional da igualdade.

Nada que surpreenda num país organizado numa cascata de direitos que são sagrados para uns e voláteis para outros. Onde os primeiros têm o apoio de sindicatos, de partidos e do próprio Estado e outros se expõem aos riscos do imprevisto como os que a pandemia trouxe. Não se trata de dizer que os direitos dos mais protegidos têm de ser reduzidos para se aproximarem dos que não o são. Trata-se apenas de exigir que em momentos de carência, quando em causa estão necessidades básicas como o de acompanhar o isolamento de um filho ou neto, todos tenham acesso ao mesmo tratamento e à mesma solidariedade da Segurança Social.

Coisas simples que a provedora pediu em Maio, que voltou a pedir em Dezembro. Pedidos para a reposição da mais elementar justiça que a Segurança Social teima em recusar.

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