Canadá-Portugal: 70 anos de relações diplomáticas e muitos mais de amizade

Hoje somos parceiros que partilham a mesma visão sobre temas de extrema importância a nível global, tais como os direitos humanos, a igualdade de género, as alterações climáticas e a gestão sustentável dos oceanos

É da autoria de Camões o famoso poema onde se leem os versos “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades; ...Tomando sempre novas qualidades”. O Canadá e Portugal têm uma longa história de interações que antecedem mesmo a época de Camões, mas só em 1952 foram estabelecidas relações diplomáticas formais. Ao comemorarmos o aniversário dos 70 anos deste marco importante, é interessante olhar para o passado e para como a nossa relação oficial se iniciou, refletindo igualmente sobre o futuro da mesma.

A ideia tomou forma em 1944, quando o responsável pelo Departamento de Comércio do Canadá escreveu ao seu homólogo do Departamento de Negócios Estrangeiros sugerindo a abertura de uma representação comercial na Península Ibérica, com o objetivo de encorajar o aumento das trocas comerciais com o Canadá. O Subsecretário de Estado para os Negócios Estrangeiros rapidamente deu o seu apoio para a abertura de uma representação em Portugal. Foi identificado um delegado comercial, que falava português, na altura colocado no Rio de Janeiro e, 15 meses mais tarde, chegou a Lisboa o sr. Lester Glass que abriu o primeiro Consulado Geral do Canadá em Portugal.

Entretanto, entidades portuguesas encetavam contactos para encorajar o Canadá a estabelecer relações diplomáticas formais. Portugal propôs uma troca de missões diplomáticas no início de 1947, a qual o Canadá declinou, referindo falta de pessoal. Por seu lado, Portugal nomeou o seu primeiro cônsul geral em Montreal, em outubro de 1947, e continuou a desenvolver esforços para establecer relações mais formais. Em setembro de 1951, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Paulo Cunha, participou na reunião da OTAN em Otava, onde abordou o assunto com o primeiro-ministro do Canadá, Louis St. Laurent. Ao avaliarem o pedido, as autoridades canadianas tiveram em consideração a adesão valiosa de Portugal à OTAN e a importância do mercado português para o pescado do Canadá, bem como para outros produtos naturais. Com base nestes interesses, foi decidido prosseguir e nomear o então Embaixador do Canadá na Irlanda como chefe da Missão do Canadá em Portugal, com instruções de permanecer no país três a quatro meses por ano. Em 8 de dezembro de 1951, o Rei George VII, na qualidade de chefe de Estado do Canadá, escreveu ao Presidente da República de Portugal anunciando a decisão de acreditar para Portugal “o nosso fiel e bem-amado William Ferdinand Alphonse Turgeon”, como enviado extraordinário e ministro plenipotenciário do Canadá em Portugal. Um mês mais tarde, o Canadá concedeu o agrément à nomeação do dr. Luís Esteves Fernandez, embaixador de Portugal nos Estados Unidos, para ministro de Portugal para o Canadá. As legações, como então eram chamadas, foram abertas oficialmente a 18 de janeiro de 1952.

Passados setenta anos, o mundo mudou significativamente e com ele a relação Canadá-Portugal. Hoje somos parceiros que partilham a mesma visão sobre temas de extrema importância a nível global, tais como os direitos humanos, a igualdade de género, as alterações climáticas e a gestão sustentável dos oceanos. Estamos juntos na defesa dos valores da democracia e do Estado de direito. Continuamos grandes aliados na OTAN e trabalhamos conjuntamente em assuntos multilaterais, como as operações de manutenção de paz em África.

O comércio continua a ser a pedra angular das nossas relações bilaterais, que tem ultrapassado anualmente os mil milhões de dólares em bens e serviços. Apoiando-se nas indústrias tradicionais que criaram a base das nossas relações comerciais, o Canadá e Portugal estão cada vez mais empenhados em desenvolver novas parcerias em indústrias de ponta, como a procura de novas soluções para descarbonizar as nossas economias através do comércio e da investigação que envolvem o hidrogénio e as energias renováveis. Estamos a unir as nossas respetivas comunidades tecnológicas e ecossistemas de inovação em áreas como a inteligência artificial, aeroespacial e cibersegurança. E reconhecendo a importância dos oceanos para ambos os países, estamos a alavancar parcerias na investigação científica, tecnológica e comercial para fazer crescer de forma sustentável as nossas economias azuis.

A relação entre o Canadá e Portugal foi impulsionada pelo Acordo Económico e Comercial Global entre o Canadá e a União Europeia (CETA), um acordo que Portugal foi um dos primeiros países a ratificar e que tem contribuído para um crescimento pré-pandemia (2019) de trocas bilaterais de bens e serviços de 36% desde 2016, com o comércio bilateral a exceder os mil milhões de dólares em 2018 e 2019. O investimento também se tornou um elemento nevrálgico das nossas relações comerciais, um testemunho da maturidade da nossa relação comercial e da atração de ambos os mercados para as nossas respectivas indústrias.

As nossas relações bilaterais assentam também nos fortes laços existentes entre os nossos cidadãos. Embora os portugueses tenham feito parte da história do Canadá por mais de cinco séculos, a emigração significativa de Portugal para o Canadá só começou na década de 1950. Hoje, cerca de quinhentos mil canadianos têm ascendência portuguesa e sensivelmente metade deles têm raízes açorianas. Há ainda dezenas de milhares de canadianos – empresários, profissionais de várias áreas, nómadas digitais, artistas, estudantes e reformados – que fazem de Portugal a sua casa, em particular os cerca de vinte mil nos Açores. Apraz-me particularmente que o novo acordo de mobilidade jovem entre Portugal e Canadá, em vigor depois da visita do primeiro-ministro António Costa em 2018 ao Canadá, tenha permitido que centenas de jovens portugueses e canadianos viajem e trabalhem anualmente no país uns dos outros, injetando mais dinamismo nas nossas relações interpessoais já muito estreitas.

Tal como o primeiro-ministro Justin Trudeau declarou: “países confiantes estão preparados para investir no futuro”. Na qualidade de embaixadora do Canadá em Portugal, acredito que os nossos progressos contínuos – expandindo as ligações entre pessoas, aprofundando a nossa cooperação económica, colaborando no combate às alterações climáticas e no avanço de valores e interesses comuns na esfera internacional – representam um investimento importante no nosso sucesso conjunto no mundo do futuro. Faço votos para que a nossa amizade continue a prosperar!

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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