Lulas para todos os gostos: cinco dicas

Grelhadas, estufadas, recheadas ou cruas, as lulas encantam os portugueses e, com algum palavreado cuidado, nem os estrangeiros lhes viram a cara. Se nos restaurantes os cozinheiros não precisam de fichas técnicas para as cozinhar no ponto certo, em casa há muita gente que se queixa da textura final dos famosos cefalópodes. E é por isso que aqui ficam algumas dicas para resolver esses problemas.

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Quem já teve a sorte de ver lulas a nadar diverte-se à brava porque parecem seres saídos de um filme de desenhos animados, não só por causa da sua forma cónica e alongada, mas, acima de tudo, pela velocidade que atingem. Perante algum perigo, elas sugam água para dentro do próprio corpo e, depois, como se tivessem um motor de propulsão, expelem essa água e saem projectadas a uma velocidade que dá baile a qualquer gazela. Devem ir dos zero aos 10 metros em menos de dois segundos.

Como se sabe, há lulas pequenas, médias, grandes, muito grandes, gigantes e míticas. Não há museu marinho neste mundo que não goste de exibir um exemplar com vários metros de comprimento. Como também é fácil de imaginar, quanto maior é a lula, mais difícil é a sua confecção. Ou seja, a cada tamanho, a sua confecção.

Dir-se-á, todavia, que o factor mais importante nesta matéria é a arte de pesca. A maioria das lulas que encontramos à venda – as mais baratas – é proveniente da arte do arrasto ou das redes de emalhar. Mas aquelas que encantam os apreciadores são as que se apanham à linha, pela arte da toneira. Trata-se, genericamente, de um peixe artificial com um conjunto de anzóis aos quais as lulas se atiram, ficando presas. Como cada lula é apanhada individualmente, chega ao mercado em melhor estado, quer em termos de textura quer em termos de cor. Aliás, a cor é a melhor forma de identificar a arte de pesca. Se a lula estiver com a pele entre o rosado e o avermelhado é porque foi capturada à toneira; se estiver cinzenta, será de redes.

Esqueça os palitos

Um restaurante que deixou muitas saudades por causa das lulas recheadas foi o Café Correia, em Vila do Bispo. Não interessa agora saber se foram as melhores que comemos na vida, mas comer aqui e ouvir conversas do mestre José Baptista era coisa que estava muito além da comida. Uma vez lembrou-se falar do tempo em que os coelhos bravos sabiam a rebentos de esteva e lá estivemos horas nisso.

Como o assunto é a lula, serve isto para dizer que o chef Rui Sequeira, do restaurante Alameda (Faro), aprendeu um truque com José Baptista, que usa para as suas lulas cheias (outra forma de dizer “lulas recheadas”). Para espécimes pequenos o chef faz um recheio com os tentáculos da lula e morcela de Monchique. Depois, para evitar colocar um palito no cefalópode, escalda-os rapidamente em água a ferver. Isso faz que a lula, ao reagir à água quente, feche por si. Donde, não precisamos de palitos para nada.

Depois, é só fazer uma base para estufar – “com boa presença de tomate” – e deixar as lulas cozerem durante 20 minutos. Mais é estragar.

Para uma versão mais contemporânea, Rui Sequeira tempera as lulas inteiras com sal e limão durante algum tempo. Depois, na hora de servir, corta-as finamente e, das duas uma: ou vão a grelhar ou levam com a chama do maçarico. Tudo isso rapidamente. E estão prontas a serem servidas.

O tempo correcto

Louis Anjos (uma estrela Michelin no Al Sud, Lagos) diz-nos que uma lula de 300 ou 400 gramas é ideal para grelhar. Acima deste peso, o melhor é estufá-las, sendo que quanto maiores mais tempo precisarão, “sempre algo entre 45 minutos e uma hora”.

E, em matéria de grelha, quanto tempo? “Eu diria que quatro a cinco minutos de cada lado. Mais, não, ficam rijas.”

Claro que sendo um chef com uma estrela Michelin, Louis Anjos usa a técnica da cozinha a baixa temperatura para as lulas. Como? Cora as lulas rapidamente de um lado e do outro e depois mete-as num saco de vácuo para as cozer em água que deverá estar entre 60 e 68 graus, durante 35 minutos. Assim cozidas, estas lulas podem guardar-se no frio. Quem chega a casa e não tem muita paciência ou tempo para cozinhar retira as lulas e salteia-as em azeite e alho. Depois, é só temperá-las com limão e coentros.

Não deite a tinta fora

Alexandre Silva, o chef que acompanhámos recentemente às compras na lota de Peniche, tem também um truque para acrescentar sabor. Quando amanha as lulas, reserva aquele pequeno saco de tinta bem carregada de cor. Enquanto as lulas estão a grelhar (“ficam no ponto quando acabam de enrolar-se”, diz-nos), Alexandre emulsiona a tinta com um caldo de peixe e usa esta fusão de sabores para, na hora de servir os clientes, temperar tudo. É uma bela dica.

Versão em cru

Agora imaginemos que o leitor não vive sem comida japonesa e quer fazer uma surpresa aos amigos. Pode fazer como o chef Lucas Azevedo, do restaurante Praia no Parque (Lisboa): comprar uma lula por volta de 1,5 quilos e, depois de amanhada, congelá-la a menos 20 graus, durante 24 horas. Isso é importante não só para destruir o parasita anisakis como para amolecer as fibras da lula. Depois, é deixar descongelar um pouco e laminar finamente o cefalópode, que será temperado com limão (de preferência yuzu ou limão galego açoriano), malagueta e sal. Por fim, um fio de azeite da variedade cordovil e estamos perante uma entrada de causar bruaá na sala.

Para substituir os noodles de arroz

Certa vez calhou-nos provar um pho, a sopa vietnamita que nos tira do sério, feito por Rui Silvestre (uma estrela Michelin no restaurante Vistas, em Castro Marim) e, por ser tão espectacular, pedimos-lhe a receita porque, curiosamente, tinha substituído os noodles de arroz por lula crua laminada e isso pareceu-nos uma excelente ideia. E lá fomos para a cozinha, onde estivemos cerca de oito horas a preparar o caldo. Como é fácil de imaginar, a brincadeira não se repetiu. Mas, se o leitor tem um doutoramento em paciência, pois esteja à vontade: é só sacar uma receita de pho na internet e, no final, substituir os noodles de arroz pela lula. Se um pho já é a delicadeza em si, com a lula tudo fica melhor.


Artigo corrigido às 18h32 de 12 de Abril de 2022, para rectificar o nome do chef Rui Silvestre.

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