O salário mínimo da vergonha

Se na Europa cada Estado-membro estabelece o seu SMN, que depende de múltiplas variáveis, porque é que em Portugal não podemos fazer o mesmo ao nível regional ou municipal? Até porque já temos o precedente das regiões autónomas.

Em Portugal existe um salário mínimo nacional (SMN) fixado por lei, para todo o território continental, que em 2022 é de 705 euros. Nos Açores é de 740,25 euros e na Madeira é de 723 euros. Sim, o SMN não é único. As regiões autónomas têm a liberdade de escolher o seu, fazendo-o tendo em conta as suas características económico­‑sociais.

O mesmo acontece na União Europeia (UE) em que cada país fixa o seu próprio SMN. Ou não, pois alguns países acham preferível não o fazer. Vamos comparar os valores de 2021, uma vez que ainda não temos dados para 2022, acertando o valor mensal, tendo em conta o número de meses pagos durante um ano. Dos 21 países da UE que fixam administrativamente um salário mínimo, Portugal ocupa a 10.ª posição, com um valor muito semelhante aos seus dois “vizinhos”, Malta e Grécia. Portanto, até se situa na metade superior. Se ponderarmos o salário pelos níveis de preços relativos, a nossa classificação piora, mas não muito: passamos para o 13º. lugar. Num total de 21 países, não é uma vergonha.

Mas vejamos o que se passa quando comparamos o valor do SMN com o nível da produtividade do trabalho (medido em horas). O nosso SMN está a 80% da média europeia, enquanto a produtividade média do trabalho (PML) avaliada em euros, está a 58%.

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A PML é publicada em paridade dos poderes de compra, tendo sido convertida em euros pelo nível de preços também publicado pelo Eurostat. Ainda não existem dados relativos a PML para 2021. Fonte: Eurostat

Daqui, duas observações podem ser assinaladas:

O nível de preços é diferente nos vários países membros da UE, pelo que o mesmo salário em euros, permite aos habitantes da Estónia ou da Eslováquia, comprar quase o dobro dos bens e serviços que os habitantes do Luxemburgo. Portanto, o dobro do salário no Luxemburgo relativamente a estes países, significa que quem o recebe tem o mesmo poder de compra.

A mão-de-obra, em euros, apresenta produtividades diferentes nos vários países. No Luxemburgo e na Irlanda é quase o quíntuplo da Estónia e Eslováquia, pelo que as empresas do Luxemburgo estão em condições de pagar salários bem mais altos que as da Estónia ou da Eslováquia. Portanto, o pagamento de salários nestes dois países, que se afaste desta razão de valores, tende a tornar esse país menos competitivo.

A questão que se pode colocar neste momento é: se na Europa cada Estado-membro estabelece o seu SMN, que depende de múltiplas variáveis, nomeadamente a produtividade do trabalho e o nível de preços, porque é que em Portugal não podemos fazer o mesmo ao nível regional ou municipal? Até porque já temos o precedente das regiões autónomas dos Açores e da Madeira.

Como não temos estatísticas sobre o índice de preços no consumo desagregado por município, vejamos o que acontece ao nível dos valores da habitação, seja própria ou arrendada.

Em Lisboa, o preço da habitação é 21 vezes superior ao preço dos municípios mais baratos enquanto que as rendas se situam quase seis vezes acima do valor médio.

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Valores para o 2.º semestre de 2021 Fonte: INE

Faz algum sentido o salário mínimo ser o mesmo nestas localidades? Não deveria o salário ser bem mais superior em Lisboa do que em Belmonte ou na Pampilhosa da Serra? Ou será que as pessoas vivem com a mesma dignidade com um salário de 705 euros em Lisboa e em Belmonte ou na Pampilhosa da Serra? Será que a qualificação da mão-de-obra em Lisboa tem a mesma produtividade de Belmonte ou de Pampilhosa da Serra?

A haver a fixação de um salário mínimo com um valor igual para todo o território continental, é impossível que consiga cumprir a sua função de assegurar um mínimo de subsistência para todas as pessoas. Para além de que está a causar graves assimetrias regionais.

Sim, “a haver a fixação”. Porque não deveríamos ter necessidade de o fixar administrativamente.

O salário mínimo nacional é uma vergonha simplesmente porque é uma vergonha precisarmos de impor um salário mínimo nacional. O salário mínimo nacional deveria ser alto, deveria estar fixado em 1500 ou 2000 euros, mas porque a produtividade da mão-de-obra assim o permitiria.

É uma vergonha viver num país em que precisamos de fixar administrativamente um salário mínimo por lei!

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