E se o segredo estiver na beleza e na maravilha de conseguir manter as coisas iguais?

É muito mais difícil fazer crescer o que já temos do que iniciar qualquer coisa de novo, talvez porque quando começamos do princípio damos a nós mesmo um desconto de principiantes.

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@designer.sandraf

Querida Mãe,

Depois destes dias sem birras tenho tantas coisas para lhe dizer. Sempre que penso nalguma coisa, imagino logo que vou contar-lha numa carta.

Já reparou, por exemplo, que quando falamos de resoluções de Ano Novo, valorizamos sempre a mudança? Enumeramos aquilo que queremos mudar, mas e se o segredo estiver na beleza e na maravilha de conseguir manter as coisas iguais? Raramente celebramos o que não muda, como se partíssemos do princípio de que são coisas velhas ou chatas quando, na verdade, muitas delas não só valem a pena manter, como – exactamente porque investimos nelas – se tornam cada vez melhores.

Há três “coisas” que agradeço que se conservem em 2022, e já lhe explico por que me entusiasmam cada vez mais. Aqui vão:

1. O casamento
Percebo que com o passar do tempo possa desaparecer o entusiasmo inicial e que se faça até um luto dessa adrenalina perdida, mas na realidade não há nada melhor do que a sensação de se estar com outra pessoa num silêncio confortável, de nos sentimos seguros um do outro, apesar de um dia ou de uma semana mais difícil, e nada bate a paz interior que resulta de nos conhecerem como realmente somos. De com aquela pessoa podermos largar as máscaras.

2. Amigos
Adoro conhecer pessoas novas e de ouvir as suas histórias, mas ir jantar com alguém que partilha as nossas memórias mais antigas, que preserva parte da nossa identidade é inestimável.

3. Cantar ou fazer ski (ou qualquer hobby/paixão que nos acompanha desde há muito)
Não é só facto de nos tornarmos cada vez mais “profissionais”, é também, sobretudo para pessoas ansiosas como eu, a satisfação de fazer uma coisa que sabemos que fazemos bem. Onde não temos (tantas) dúvidas e a que, por isso mesmo, nos podemos entregar sem reservas.

Mas enganam-se os que imaginam que manter o que temos de bom é mais fácil do que conquistar coisas novas. Mentira. E, por isso, os meus desejos para este ano são — para além de saúde, claro! — manter o meu casamento, os meus amigos e a minha profissão.


Querida Ana,

Bem visto, muito bem visto. Por isso é que uma das coisas que quero preservar são estas Birras de Mãe no PÚBLICO, que fazem nascer tantas ideias novinhas em folha de uma página em branco.

Tens razão. É muito mais difícil fazer crescer o que já temos do que iniciar qualquer coisa de novo, talvez porque quando começamos do princípio damos a nós mesmo um desconto de principiantes, e os outros também nos julgam com maior benevolência, afinal estamos só a dar os primeiros passos...

Começar uma relação amorosa ou uma dieta é muito mais fácil do que manter um casamento ou o peso que a balança (finalmente) indica, e conseguir que o velho emprego nos faça levantar da cama com ânimo, exige uma cenoura sempre renovada. Mas quando somos capazes de construir sobre o que já temos, em lugar de regressarmos constantemente à casa da partida, ficamos a ganhar. Não apenas no resultado obtido — um edifício mais sólido e rico —, mas na confiança nas nossas próprias competências o que, por sua vez, nos permite ambicionar mais alto e mais longe.

Confesso-te que às vezes apetece-me desistir de algumas coisas, normalmente das que me correm melhor, porque tenho medo de desiludir, tenho medo de que aquilo que fizer a seguir não seja tão bom como o que já deixei para trás. Sabes, Ana, aquela ideia de que é mais inteligente quem abandona a partida enquanto ainda está a vencer? Felizmente com a idade também vou percebendo que continuar um projecto, seja ele qual for, implica sempre tentar realizá-lo de uma maneira nunca antes vista. Ou seja, mudando, mas para somar, em lugar de subtrair ou dividir. Confuso?

Pouco importa, o que interessa é que subscrevo os teus três pontos, sendo que substituo o cantar pelo escrever, e estamos conversadas. Bom Ano.


No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.

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