Morreu a cantora lírica Maria Ewing

Norte-americana notabilizou-se, sobretudo, nos papéis de Carmen e Salomé e durante anos foi presença assídua nos mais importantes palcos de ópera nos Estados Unidos e na Europa.

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Maria Ewing no papel de Mélisande em "Pelléas e Mélisande", de Debussy Ira Nowinski/Corbis/Getty Images

Os obituários que esta terça-feira aparecem na imprensa britânica começam por dar conta dos seus laços familiares dizendo que foi casada com o encenador e realizador inglês Peter Hall e que era mãe da actriz Rebecca Hall, mas Maria Ewing teve uma carreira por mérito próprio, independente destas ou de outras filiações.

A cantora lírica que se notabilizou, sobretudo, em papéis como o de Carmen ou de Salomé morreu no domingo, aos 71 anos, na sua casa em Detroit, nos Estados Unidos. Segundo a televisão pública britânica, a notícia foi dada pela família, através de um comunicado.

Responsável por interpretações que a crítica definia com frequência como “electrizantes”, a norte-americana Maria Ewing actuou em muitos dos principais palcos norte-americanos e europeus, como a Metropolitan Opera de Nova Iorque ou a Royal Opera de Londres.

Nascida em Detroit em 1950, filha de uma holandesa e de um afro-americano, sendo a mais nova de quatro irmãs, Ewing costumava dizer que, para uma cantora de ópera, a voz estava longe de ser tudo, que a forma como se dava corpo à personagem também contava, e muito.

“Ela era uma artista extraordinariamente dotada que, pela pura força do seu talento, se catapultou para os níveis mais exclusivos do mundo da ópera internacional”, escreveu a família no texto em que torna pública a sua morte.

Ewing estreou-se aos 23 anos no Ravinia Festival, Illinois, e subiu pela primeira vez ao palco da Met Opera, um dos que mais marcariam o seu percurso, três anos mais tarde em 1976, no papel do pajem Cherubino de As Bodas de Fígaro, de Mozart.

Neste importante palco de Nova Iorque actuou no ano seguinte como Blanche de la Force, numa produção de John Dexter da ópera de Francis Poulenc Diálogos das Carmelitas. Na mesma sala, em 1996 e 97, foi a Marie de Wozzeck, do austríaco Alban Berg, destaca o diário The Guardian.

Com papéis de soprano e de mezzo-soprano, constam do reportório que interpretou Don Giovanni, O Barbeiro de Sevilha e Tosca, assim como obras que mais raramente integram a programação das grandes salas, como O Castelo do Barba Azul, de Bartók, e Shéhérazade, de Ravel, lembra ainda a BBC.

Peter Hall no palco e na vida

Maria Ewing tinha já passado pelo palco da Met Opera quando, em 1978, cantou a Dorabella numa encenação de Così Fan Tutte, de Mozart, no festival de Glyndebourne, então dirigido por Peter Hall (1930-2017), encenador cujo nome ficará para sempre ligado aos textos de Shakespeare. Casaram-se quatro anos depois.

Foi Hall, fundador da Royal Shakespeare Company e director do National Theatre da capital britânica, que a dirigiu em duas óperas que viriam a ser centrais na sua carreira – Carmen, de Bizet, em Nova Iorque, e Salomé, de Richard Strauss, em Los Angeles, Londres e Chicago.

No papel-título da ópera do compositor alemão, por sua vez baseada no texto do escritor irlandês Oscar Wilde, Ewing fez história pela qualidade da sua interpretação e também pelo facto de terminar nua a sedutora cena da Dança dos Sete Véus. Foi a cantora quem decidiu que a dança acabaria assim, não o marido, explica a BBC. “A nudez não é vulgar neste contexto, assim como não é vulgar a nudez que vemos na maioria das pinturas clássicas”, diria Maria Ewing mais tarde numa entrevista à BBC Radio 4.

O casal, que teve uma filha, Rebecca, divorciou-se em 1990. Sete anos mais tarde, Ewing deixou os palcos da ópera, continuando a gravar e a dar concertos em que misturava jazz com temas de George Gershwin ou de Noel Coward.

Rebecca Hall é actriz e acaba de se estrear na realização com Identidade, um filme devedor da história da sua própria mãe. Baseado num romance da escritora americana Nella Larsen, publicado em 1929, o filme aborda um fenómeno da época, “o passing, mulheres negras que se faziam passar por brancas de maneira a fugir ao espartilho que a sua cor de pele representava”, escrevia no final de Novembro o crítico de cinema do PÚBLICO Luís Miguel Oliveira. Maria Ewing, explicou a filha numa entrevista ao Guardian, nunca o fez activamente, mas deixou que as pessoas a vissem como entendessem: branca, negra, exótica: “Eu andava naqueles colégios particulares ingleses das elites, em que todos os alunos vão para casa num Range Rover, mas eu ia para a escola e voltava de táxi, com todos a olharem para a minha mãe e a dizerem ‘Ooooh, como ela é exótica!’.”

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