O pernicioso efeito dos “controladores de estacionamento”

Este modelo contribuiu para um alhear das forças policiais do (agudo) problema da ordenação e controlo do estacionamento urbano. E pode ser um incentivo a infracções mais graves.

Na cidade onde moro, como em alguns outros concelhos, a verificação do pagamento das taxas de estacionamento, vulgo, parquímetros, está entregue pelo município a uma empresa privada, através de um contrato de concessão, que realiza este trabalho, anteriormente realizado pelas forças policiais.

Muito há a dizer sobre o comportamento destas entidades e dos seus funcionários que, em zonas onde sabem existir elevada procura e escassa oferta, pululam como uma praga de gafanhotos, em busca do incauto cidadão cujo talão de estacionamento expirou há cinco minutos, para lhe pespegarem no para-brisas não com uma coima (aquilo a que em linguagem comum chamamos uma multa) mas com um “convite” à regularização, através do pagamento do valor devido pelo estacionamento, acrescido de uma “taxa.” Não se sabe bem à prestação de que serviço ou trabalho corresponde o valor da taxa, nem como ela é calculada, mas caso não regularizemos o valor, será, aí sim, desencadeado o procedimento contra-ordenacional.

Nesta sua missão contam com a inestimável colaboração dos municípios: em zonas que são eminentemente residenciais, ou de trabalho, onde as pessoas estacionam o carro de manhã e ficam até ao final do dia, muitas vezes mal servidas por transportes públicos, estes definem períodos máximos de estacionamento de duas horas!

É evidente que, sendo o pagamento nos parquímetros tantas vezes incumprido, uma fiscalização mais apertada é desejável. É indiscutível que o não pagamento configura uma infração, que deve ser combatida e reprimida. Porém, tal deve ser feito de forma adequada, proporcional e com boa-fé

Ora, o modelo assente nos controladores de estacionamento levanta um sério problema, além dos já referidos. Se o controlo do pagamento nos parquímetros pode ser concessionado, nem por isso os controladores de estacionamento passam a ser forças da autoridade - esta não é privatizável. Por isso, os poderes do controladores são muito limitados: verificar se uma viatura apresenta ou não o bilhete de estacionamento e, em caso negativo, emitir o convite à regularização. Não podem, naturalmente, elaborar autos de contra-ordenação ou exigir o pagamento de coimas.

Qual é, então, o problema? O problema é que a instituição deste modelo contribuiu para um alhear das forças policiais do (agudo) problema da ordenação e controlo do estacionamento urbano. Mesmo aquelas, como as polícias municipais, mais vocacionadas para o efeito. É hoje banal que um carro-patrulha ignore olimpicamente carros parados em segunda (ou terceira) fila ou estacionados em cima de passeios, ao arrepio do Código da Estrada, já para não falar das mais elementares regras de urbanidade e de cidadania. O estacionamento selvagem veio para ficar, sem que isso pareça incomodar quem de direito. É trabalho inglório, dir-me-ão. Talvez. Mas nem por isso deixa de ser uma obrigação de quem o tem.

Resultado: alguém que deixe passar o seu limite de estacionamento terá, é fatal como o destino, um controlador de estacionamento a convidá-lo a regularizar a situação, funcionando o pagamento da “taxa” como coima encapotada. Por outro lado se, mesmo ao lado, estiver um veículo parado em cima de uma curva, numa passadeira, ciclovia, lugar de cargas e descargas, lugar reservado a deficientes, etc, estacionado o dia todo, a probabilidade de punição é francamente menor (se é que existe). Assim, a infração menor, menos grave e que menos transtorno provoca à colectividade é punida com certeza, passando incólumes infrações mais graves. Além da óbvia injustiça, este esquema envia aos cidadãos os estímulos errados: para quê pagar para estacionar num local devido, quando posso estacionar gratuitamente num local indevido?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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