Proteger a democracia, garantir a igualdade, envolver as pessoas. O que pretendem os cidadãos para a UE?

A Conferência sobre o Futuro da Europa convida os cidadãos europeus a levantarem questões sobre anos vindouros e a fazerem as suas sugestões.

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Reuters/Hannibal Hanschke
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Fabrizio Bensch
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Rui Gaudencio

Florença, Dezembro de 2021. Centenas de cidadãos de todas as idades e vindos de todos os Estados-membros estão reunidos para reflectir sobre a União Europeia (UE). É a Conferência sobre o Futuro da Europa, um fórum protagonizado por europeus anónimos, que culmina com a apresentação de propostas concretas sobre diferentes temas. Aquela foi a última reunião do painel dedicado à Democracia, Estado de Direito, Valores, Direitos e Segurança e dela saíram 39 recomendações.

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O tema do painel que levou cidadãos anónimos a Florença para fazerem ouvir as suas dúvidas e propostas é também um dos pilares do projecto A Europa que Queremos, em que o PÚBLICO estará envolvido até Junho deste ano e que originará textos de análise, ensaios, reportagens, notícias e conferências.

Objectivo: dar voz às perguntas que se estão a fazer e às grandes questões em debate e que, neste caso, atravessam temas que vão da identidade europeia à participação eleitoral, passando pelo reforço da democracia, a desinformação, a discriminação, a igualdade de género, o teletrabalho, os direitos dos animais, o direito à privacidade, a protecção de dados, o lobbying, o combate à corrupção ou o Estado de direito…

O que fazer para manter a democracia?

E o que queriam dizer os europeus em Florença? Que questões lhe ocupavam a mente? É disso que lhe damos conta a seguir. Malt Edmund, um sueco de 20 anos, está preocupado com o futuro da democracia na Europa. “Nós podemos decidir que futuro queremos e no que toca à democracia temos duas opções: ou a mantemos ou a perdemos”, diz ao PÚBLICO.

Se a opção for por mantê-la, então, só há um caminho: “Se queremos manter a democracia, temos de lutar forte diariamente. Os cidadãos têm de lutar pela democracia. O que quero no futuro é ver mais pessoas a tomar iniciativa e a pressionar os políticos para fazerem as coisas correctas. Porque, sem essa pressão, os políticos não vão fazer o que é correcto”, refere Edmund. Para este jovem sueco, a “democracia é a chave para tudo: é a chave para resolver as alterações climáticas e todas as outras questões”.

Como trazer mais pessoas para o projecto europeu?

Já Mark O’Brien, de 71 anos, parece saber que o triunfo da democracia em que Malt Edmund acredita também depende do envolvimento dos europeus nas eleições que lhes dizem respeito. E esse é um ponto fraco na União Europeia, onde a participação eleitoral ronda os 51% em média (em Portugal é de apenas 31%). “É preciso falar mais de Europa”, diz.

O irlandês Mark O'Brien também tem dúvidas e propostas sobre a Europa que quer. Ao PÚBLICO explica que a UE deve preocupar-se em responder à crise migratória e “ganhar os eurocépticos”. E para isso é preciso “discutir os problemas que eles têm a respeito da Europa, para afastar medos, como, por exemplo, em relação aos migrantes”.

O’Brien associa esta questão à reduzida participação eleitoral (que será alvo de um dos próximos trabalhos no âmbito do projecto A Europa que Queremos) mas acredita que a Europa tem futuro. “O desafio para o futuro da Europa é a união: é trazer mais pessoas para participar no projecto europeu e para votar nas eleições europeias. É preciso falar mais da Europa, dar mais cobertura mediática à Europa e apostar nas redes sociais.”

As novas tecnologias podem ajudar a Europa?

A belga Sanae Maes, de 23 anos, reconhece a importância de começar cedo a falar sobre democracia e sugere que as instituições aprendam a pedir a opinião dos cidadãos e a ouvi-la. “Acho que é importante educar os jovens para saberem os valores da União Europeia. É importante mudar a educação e falar de democracia desde cedo, para que os jovens cresçam com isso”, defende. Além disso, a belga entende que “é importante ouvir os cidadãos sobre certos temas e pedir a sua opinião” para criar soluções. “Precisamos de envolver os cidadãos”, conclui.

Sanae fala sobre a importância de ouvir e envolver e a portuguesa Marina Chambel, de 31 anos, explica que as novas tecnologias podem ajudar. “É necessário aproximar os cidadãos da União Europeia. Uma aproximação através de plataformas online é o ideal. Para reforçar a democracia na Europa, ajuda ter o input dos cidadãos, mas é importante dizer que, provavelmente, estamos no grupo mais democrático do mundo, felizmente. Mas sim: salvaguardar a democracia é sempre um desafio.”

Que valores queremos preservar?

Aos olhos de um sueco, um irlandês, uma belga e uma portuguesa, a Europa é muito mais do que um conceito, uma palavra ou um conjunto de inquietações sobre o futuro. É, sobretudo, um conjunto de valores que é preciso preservar (este também será o tema de um trabalho futuro no âmbito do projecto A Europa que Queremos).

O mesmo acontece quando se pede a um italiano para falar sobre a Europa. Para Flávio Russo, de 33 anos, o que distingue este espaço de democracia são valores como a igualdade e a tolerância. “Perante as ameaças populistas, é preciso garantir a igualdade de género, combater a discriminação e o racismo. No fundo, é preciso assegurar e reforçar os valores europeus da igualdade e tolerância. É isso que nos distingue”, garante.

Nesse sentido, “o futuro da União Europeia passa por marcar a diferença e reforçar a Europa como espaço de liberdade”. A tarefa não é fácil, mas das conferências que têm acontecido um pouco por toda a Europa têm saído soluções mais ou menos inovadoras (ver caixa). Na academia e no Parlamento Europeu, estas questões também ocupam lugar.

O que são os valores europeus?

Os primórdios da UE remontam a uma comunidade económica, mas o projecto europeu formou-se sob a égide dos valores da democracia. “A UE não é um projecto neutro do ponto vista político. Não existe fora de um quadro de valores”, vinca ao PÚBLICO Lídia Pereira, eurodeputada do PSD, realçando a “liberdade”, o “Estado de Direito” e o “humanismo” que devem ser “comuns” a todos os países-membros.

Mas serão mesmo comuns a todos os Estados?

“Há governos nacionais de Estados-membros que estão a pôr em causa os governos democráticos da UE”, prossegue a presidente do YEPP, a Juventude do Partido Popular Europeu. Os exemplos são conhecidos e os “casos mais graves” vêm da Hungria, da Polónia e da Eslovénia. Uma “regressão das democracias”, uma tendência global, assente em movimentos populistas. “A UE é o bloco que ainda mais preserva esses valores democráticos”, ressalva.

Como defender esses valores?

Lídia Pereira reconhece que se devem discutir “propostas e soluções”, mas defende que se deve “olhar para o actual quadro institucional”. Os “problemas de Estado de Direito estão identificados”, a Comissão Europeia tem “sido corajosa” ao denunciar as violações e o Parlamento Europeu “exigente” a pedir sanções. Falta o Conselho Europeu parar de “varrer para debaixo do tapete”. “O único mecanismo consequente de punição está nas mãos do conselho que até agora nunca encontrou unanimidade para sancionar os incumpridores”.

Como envolver os cidadãos?

Para Catherine Moury, professora de Ciência Política na Nova de Lisboa, é preciso tornar a UE “mais transparente”, exemplificando com o desconhecimento acerca do sentido de voto de um ministro nas reuniões do Conselho da União. “É um problema, tanto pelas regras do jogo como pelos jogadores. Não há transparência”.

Depois, é preciso olhar para a educação. Além de “ensinar às crianças o sistema europeu”, alargar o Erasmus ao secundário pode ser uma “maneira muito potente de aproximar jovens” da UE. A autora de “A Democracia na Europa” (FMMS, 2018) defende ainda o alargamento da idade de voto para os 16 anos.

Os cidadãos devem ter mais poder eleitoral?

Sobre a necessidade de “politizar” a Comissão Europeia, Moury aceita um papel “mais activo” dos cidadãos na escolha do presidente da Comissão, mas já encara como “problemático” associar a escolha dos comissários às eleições europeias. Por outro lado, parece-lhe mais importante “aumentar os mecanismos” de democracia participativa e olhar para o papel dos partidos pan-europeus. “Esses partidos podiam ajudar a termos uma campanha eleitoral assente em questões europeias e não nas discussões nacionais”.

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Artigo corrigido às 10h58 de 10 de Janeiro de 2022, para acrescentar um termo em falta ("punição") no parágrafo “Como defender esses valores?”.


Este artigo faz parte do projecto A Europa que Queremos, apoiado pela União Europeia.

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