Os últimos sete anos foram os mais quentes na Terra

Serviço de Alterações Climáticas da União Europeia Copernicus divulga esta segunda-feira as suas conclusões anuais, que mostram que, globalmente, passámos pelos sete anos mais quentes de que há registo. O recorde terá sido registado na Sicília, onde o termómetro chegou a 48,8 graus Celsius. As emissões de dióxido de carbono e metano continuam a aumentar.

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Onda de calor em Valência, Espanha, em Junho de 2019 EPA/Kai Foersterling

Infelizmente, não há surpresas nos dados revelados esta segunda-feira pelo Serviço de Alterações Climáticas Copernicus (C3S), da União Europeia. Os dados mostram que, ao nível global, os últimos sete anos foram, por uma margem clara, os sete mais quentes de que há registo. Dentro destes sete anos, 2021 situa-se entre os anos mais frescos, a par de 2015 e 2018, mas a Europa viveu o seu Verão mais quente. Ligeiramente arrefecido em 2021 pelo fenómeno La Niña no Pacífico Sul, o planeta continua a sofrer as consequências das alterações climáticas e as emissões de CO2 e metano continuam a aumentar.

Os avisos não param. Entre os títulos mais recentes sobre o clima no ano que passou já tínhamos ficado a saber, por exemplo, que o Verão de 2021 foi o mais quente da Europa nos últimos 20 anos, que o ano de 2021 foi marcado por incêndios intensos e prolongados e que até choveu no ponto mais alto da calota polar da Gronelândia — algo que nunca tinha acontecido. Estes dados, muitos deles divulgados também pelo programa europeu Copernicus, juntam-se agora ao mais recente relatório, que mostra que, globalmente, os últimos sete anos foram os mais quentes.

“A análise de 2021, mostrando que, globalmente, os anos mais quentes foram, de longe, registados nos últimos sete anos, é um lembrete do aumento contínuo das temperaturas globais e da necessidade urgente de agir”, sublinha Mauro Facchini, chefe da Observação da Terra na Direcção-Geral da Indústria e Espaço de Defesa, na Comissão Europeia, citado no comunicado de imprensa.

O relatório divulgado esta segunda-feira confirma que a Europa viveu o Verão mais quente de que há registo, embora próximo dos Verões mais quentes anteriores em 2010 e 2018. “A Europa viveu um Verão de extremos, com fortes vagas de calor no Mediterrâneo e cheias na Europa Central”, destacam os especialistas. Carlo Buontempo, director do C3S, reforça o aviso: “Os últimos sete anos têm sido os sete mais quentes de que há registo. Estes acontecimentos recordam-nos a necessidade de mudar os nossos caminhos, tomar medidas decisivas e eficazes para uma sociedade sustentável e trabalhar no sentido de reduzir as emissões líquidas de carbono.”

O mistério do metano

Em conjunto com o Serviço de Monitorização da Atmosfera, o C3S também adianta que “a análise preliminar das medições por satélite confirma que as concentrações atmosféricas de gases com efeito de estufa continuaram a aumentar durante 2021”. No comunicado de imprensa nota-se ainda que as “emissões de carbono provenientes de incêndios em todo o mundo ascenderam globalmente a 1850 megatoneladas, especialmente alimentadas por incêndios na Sibéria”, num total ligeiramente superior ao do ano passado (1750 megatoneladas de emissões de carbono), apesar da tendência de redução observada desde 2003.

Vincent-Henri Peuch, director do Serviço de Monitorização da Atmosfera de Copernicus, reclama por uma mudança na “luta contra a catástrofe climática” e conclui: “As concentrações de dióxido de carbono e metano continuam a aumentar ano após ano e sem sinais de abrandamento. Estes gases com efeito de estufa são os principais motores das alterações climáticas.”

No relatório, há alguns números: “A tendência de aumento constante das concentrações de dióxido de carbono continuou em 2021, levando a um recorde anual global de cerca de 414,3 ppm (mil partes por milhão)”. Sobre as concentrações de metano atmosférico, a análise preliminar de dados de satélite mostra “um máximo sem precedentes de 1876 ppm”. A taxa média anual estimada de crescimento é ligeiramente superior à de 2020. “Ambas as taxas são muito elevadas em comparação com as taxas das duas décadas anteriores de dados de satélite. No entanto, actualmente não se compreende bem por que razão é este o caso. A identificação da origem do aumento é um desafio, uma vez que o metano tem muitas fontes, com algumas antropogénicas (por exemplo, exploração de campos de petróleo e gás) mas também algumas naturais ou seminaturais (por exemplo, zonas húmidas).”

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REUTERS/Pascal Rossignol

O C3S não destaca qualquer efeito da covid nas emissões. Filipe Duarte Santos, investigador especialista em alterações climáticas, adianta uma possível explicação ao PÚBLICO, notando que a redução na emissão de gases com efeito de estufa se sentiu sobretudo na comparação que se pode fazer entre 2019 e 2020, com uma diminuição de cerca de 5%, mas que rapidamente, já em 2021, regressámos aos (maus) níveis pré-pandemia.

Recorde de 48,8 graus na Sicília

Parece contraditório, mas é assim mesmo: globalmente, o ano de 2021 está entre os sete anos mais quentes de que há registo, porém, terá sido um dos mais frescos deste período recente. A temperatura média global em 2021 foi ligeiramente inferior e muito provavelmente isso deve-se ao efeito de um fenómeno conhecido como El Niña, segundo explica ao PÚBLICO Filipe Duarte Santos, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Assim, nota, quando o planeta está sob a influência de El Niño, a temperatura média global tende a ser mais alta, e quando se sobrepõem as oscilações do Pacífico Sul com El Niña, essa média é geralmente inferior.

“Globalmente, 2021 foi o quinto ano mais quente de que há registo, mas apenas marginalmente mais quente do que 2015 e 2018”, confirma o relatório, notando ainda que a temperatura média anual foi 0,3 graus Celsius acima da temperatura do período de referência 1991-2020, e 1,1-1,2 graus Celsius acima do nível pré-industrial de 1850-1900.

Olhando para trás, a nível mundial, “os primeiros cinco meses do ano registaram temperaturas relativamente baixas em comparação com os últimos anos muito quentes”. Depois, de Junho até Outubro, no entanto, as temperaturas foram subindo consistentemente, fazendo com que as temperaturas dos últimos 30 anos (1991-2020) ficassem perto de 0,9 graus Celsius acima do nível pré-industrial.

“As temperaturas mais abaixo da média foram encontradas na Sibéria ocidental e oriental, Alasca, sobre o Pacífico central e oriental – em simultâneo com as condições de La Niña no início e no final do ano –, bem como na maior parte da Austrália e em partes da Antárctida”, confirma o relatório.

Especificamente sobre a Europa em 2021 e analisando o ano como um todo, teremos estado “apenas 0,1 graus Celsius acima da média de 1991-2020, que se situa fora dos dez anos mais quentes”. “Pelo contrário, o Verão europeu de 2021 foi o mais quente de que há registo, embora próximo dos Verões mais quentes anteriores em 2010 e 2018”, refere o C3S, destacando ainda que o Verão europeu que passou envolveu “vários eventos extremos de alto impacto”.

Desde a forte precipitação na Europa Central Ocidental que levou a inundações severas em vários países, “sendo os mais fortemente atingidos a Alemanha, Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos”, até à onde de calor que atingiu a região mediterrânica durante Julho e parte de Agosto, os especialistas notam que “o recorde europeu de temperatura máxima foi batido na Sicília, onde foram comunicados 48,8°C, 0,8°C acima da alta anterior, embora este novo recorde ainda não tenha sido oficialmente confirmado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM)”.

Os dados do Copernicus confirmam também que “condições quentes e secas precederam incêndios intensos e prolongados, particularmente no Mediterrâneo oriental e central, sendo a Turquia um dos países mais afectados, para além da Grécia, Itália, Espanha, Portugal, Albânia, Macedónia do Norte, Argélia e Tunísia”.

O relatório do C3S não traz nenhuma grande surpresa para Filipe Duarte Santos. É, concorda, mais um importante aviso. E se os sucessivos alertas podem já não causar um grande impacto, o especialista nestes temas pede que se olhe para o que acontece mais perto, em Portugal. “Dizer, por exemplo, que a disponibilidade de água em Portugal sofreu uma redução de 20% nos últimos 20 anos é preocupante”, diz, notando que o aviso foi feito num artigo que assinou em 2002 sobre os recursos hídricos nacionais. “Nós escrevemos que isso ia acontecer e a previsão verificou-se”, aproveitando a deixa para o repetido alerta: “Daqui para a frente, será mais grave se o mundo – não somos só nós – não seguir as recomendações do Acordo de Paris, sem ultrapassar os dois graus Celsius. E já vamos em 1,2.”

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