Os sistemas alimentares mundiais já não servem

Porque mais de 820 milhões de pessoas permanecem subnutridas, enquanto mais de 2,1 mil milhões de adultos sofrem de obesidade ou excesso de peso. Porque a produção alimentar é a principal responsável pelas alterações a que assistimos no planeta, nomeadamente a emissão de 30% de todos os gases de efeito de estufa (GEE) de origem antropogénica.

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DAI KUROKAWA/EPA

Setembro de 2021 acolheu a Cimeira dos Sistemas Alimentares (Food Systems Summit). O evento visava dar voz aos que não têm geralmente oportunidade de se fazer ouvir, bem como encontrar soluções para os problemas dos sistemas alimentares actuais. Durante a cimeira discursaram pessoas de inúmeros países de Norte a Sul, desde activistas, a representantes de povos indígenas, decisores políticos, especialistas, etc. É formidável como um tão grande e tão variado grupo de pessoas conseguiu chegar a alguns entendimentos – os sistemas alimentares globais não servem a população humana, não servem o planeta e não estão alinhados com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas.

Porquê? Porque mais de 820 milhões de pessoas permanecem subnutridas, enquanto mais de 2,1 mil milhões de adultos sofrem de obesidade ou excesso de peso. Porque existem mais de 2 mil milhões de pessoas com deficiências em micronutrientes importantes, e porque a incidência mundial de diabetes duplicou nos últimos 30 anos.

Porque a produção alimentar é a principal responsável pelas alterações a que assistimos no planeta, nomeadamente a emissão de 30% de todos os gases de efeito de estufa (GEE) de origem antropogénica. Porque os sistemas agrícolas estão a levar à acidificação e eutroficação (excesso de nutrientes em corpos de água) do meio. Porque um terço de toda a comida produzida é desperdiçada – estima-se que se o desperdício alimentar fosse um país, este seria o terceiro do mundo a emitir mais GEE, atrás apenas dos EUA e da China.

Porque 2020 viu mais refugiados climáticos do que por conflitos armados, e porque as comunidades mais pobres estão a perder a sua forma de sustento, obrigando-as a procurar melhores condições no mundo ocidental, que muitas vezes os recebe sem o mínimo de dignidade (olhemos para o que se passa em Odemira).

São cada vez mais evidentes os danos provocados pelos sistemas alimentares. Existem também cada vez mais projectos que visam sensibilizar a população em relação ao impacto que directa ou indirectamente exercem no planeta. É o caso do Eat4Change, da ANP-WWF, ou da Our Food. Our Future, do IMVF, que têm vindo a criar conteúdo de sensibilização e mobilização acessível a todos, promovendo mudanças sustentáveis e uma cidadania ativa.

Mas o que andam a fazer os nossos decisores políticos? Como pode o Estado continuar a alimentar os sistemas que comprovadamente estão a levar à destruição do nosso mundo? Ou as autoridades responsáveis por nos informar, continuar a negar-nos o direito de não só saber o que se passa, mas também como agir em função disso?

De acordo com um inquérito realizado no âmbito da Our Food. Our Future, 65% da amostra portuguesa afirma “identificar-se completamente ou fortemente com uma reivindicação ética na alimentação”, e mais de mais de 50% defende que a União Europeia tem forte responsabilidade na promoção de sistemas alimentares éticos e justos. Mas teremos nós informação suficiente disponível para seguir uma alimentação ética? E será que está ou alcance de todos, ou só de uma elite?

Enquanto cidadãos activos, todos temos um papel a desempenhar. Podemos e devemos responsabilizar as empresas multinacionais alimentares pelas violações de direitos ambientais e sociais ao longo da cadeia de abastecimento, e podemos exigir à Comissão Europeia para legislar sobre devida diligência. O Our Food. Our Future, por exemplo, está a recolher vozes que apoiem uma legislação da UE robusta sobre as cadeiras alimentares.

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