Mulheres: terminámos com amor, iniciamos com empatia

Makas de uma angolana 8 É preciso colocar a melanina ao serviço da salvação da humanidade e as mulheres no prato da balança das desigualdades, equilibrando-a.

Ferir uma mulher é ultrajar a Deus.” Foram estas as palavras do Papa Francisco na primeira missa que presidiu no dia 01 de janeiro de 2022, Dia Mundial da Paz.

O Papa Francisco tem sido muito mais do que a voz dos católicos, apostólicos, romanos no mundo, muito mais do que a voz do chefe de Estado do Vaticano nas relações com os outros estados, muito mais do que a voz de um guia espiritual de uma comunidade de homens e mulheres que acreditam nele como o construtor de uma Igreja renovada, que avalia e reposiciona o seu papel na e fora da comunidade, que questiona a sua estrutura, que assume as fragilidades resultado do seu poder evangelizador e não poucas vezes, ao longo dos séculos, monopolizador, que abre a caixa de Pandora inspecionando o uso e os abusos desse poder que por vezes foi e vem fazendo vítimas junto dos mais fracos e indefesos, como as crianças e adolescentes alvo de abuso e violência sexual.

O beato Francisco respondeu positivamente ao acolhimento na Igreja e na Fé da comunidade LGBTQI+, defendendo a regulação do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e distanciando-se publicamente do cisma conservador que resiste dentro do próprio Credo.

O santo beato alterou, no início de 2021, o documento de São Paulo VI “Ministeria quedam” retificando as regras do Direito Canónico e autorizando as mulheres leigas a ler a palavra de Deus, a ajudar no altar durante as missas e a distribuir a comunhão.

Neste início de ano, entre a pandemia e a epidemia, o Papa Francisco decidiu colocar no centro do seu discurso uma forte penalização à moral cristã no que à violência contra as mulheres diz respeito, não deixando margens para dúvidas sobre o ultraje a Deus que é o ato de praticar abusos e agir contra as mulheres de forma violenta.

O sinal dado não poderia ser mais revelador de como as raízes do medo vêm, ao longo de séculos, servindo de combustão à atual hegemonia de um modelo heterocêntrico, de matriz falocêntrica e caucasiana, que responde de forma estripadora a qualquer hipótese de concretização de um percurso de cidadania por toda e cada uma das mulheres à escala global.

A Convenção de Istambul para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica em 2014 não conseguiu agir de forma global ao encarar este problema como de saúde pública, que também o é, mas ao invés priorizá-lo como um problema de desenvolvimento económico. É urgente criar um modelo económico assente numa tabela de cumprimento dos direitos humanos que impacte diretamente a atividades dos decisores políticos, mas também o comportamento das próprias sociedades e a sua capacidade de competir, à escala mundial, com relatórios de criminalização e punição de crimes de violência contra as mulheres e/ou violência doméstica.

Servindo-nos das palavras do Santo Padre, obrigar à criação de uma entidade de jurisprudência moral com atribuições de Comissão de Verdade e Justiça assente na assunção da culpa por parte dos agressores, seguida da concretização de medidas de vigilância criminal, psicossocial e de monitorização de comportamentos alinhados com a prossecução e garantia da segurança pública no que ao agressor diz respeito, e, no que às mulheres diz respeito, fomentar medidas de afirmação positiva planificadas a nível da macroeconomia e arquitetadas ao nível da gestão local, tendo em conta as taxas de incidência apurados dos resultado da concretização de medidas de vigilância criminal.

Permitia-se, assim, não só monitorizar localmente a saúde das políticas de direitos humanos, como, numa relação de proximidade, implantar junto de cada mulher, de cada núcleo familiar, em cada rua, em cada escola, em cada comunidade, em cada bairro, em cada equipamento e infraestrutura locais medidas de afirmação positiva supervisionadas por um ponto focal que age em paralelo com os gestores políticos locais.

Tal procedimento obrigaria a uma constante aferição de resultados relatados a cada decisor político de uma unidade nacional que seria impactado a cada minuto por cada ato de violência contra as mulheres e ou violência doméstica; este impactar politicamente o desempenho dos decisores políticos e vigiar a eficiente execução das políticas globais pelos gestores locais reduziria a fasquia da impunidade abrindo caminho a um obrigatório pacto de responsabilidade ao abrigo da já identificada Comissão de Verdade e Justiça que agiria como autoridade no que concerne à regulação e avaliação das medidas de afirmação positiva, no sentido de obrigar a que as mesmas fossem incluídas nos orçamentos de cada Estado e estatisticamente analisadas por índices macroeconómicos que, mais uma vez, obrigatoriamente refletissem o índice de violação dos direitos humanos em cada país.

Ora, estas medidas de afirmação positiva teriam, na sua raiz, de contrariar a um modelo hegemónico de matriz falocêntrica e caucasiana, recorrendo a um modelo de inclusão e participação de género pró feminista e pró antirracista de forma a combater e contrariar o atual modelo macroeconómico e equilibrar a balança de desigualdades, precavendo sempre que nenhuma das suas ações pudessem geras exclusões sociais de género, étnico-raciais, de território, orientação sexual, crença religiosa ou ideológica.

Um modelo teocêntrico em que o Estado do Vaticano postula como um ultraje a Deus a violência contra as mulheres, tem de ser lido pelas lideranças mundiais como uma afirmação de um outro postulado: o de que é um ultraje à Democracia e ao Estado Social a violência contra as mulheres.

A resposta que conduz ao fim do cisma da falocentricidade é exclusivamente a da criação e replicação de políticas pró feministas e pró antirracistas ao abrigo de uma Comissão de Verdade e Justiça, de jurisprudência moral e com assumida autoridade na criação de um compromisso económico de cada Estado para com a sua esfera de cidadania.

Concluo com isto que 1) à afirmação – “Eu sou mulher” – se substitua a afirmação – “Eu sou socialmente progressista e pró feminista”; 2) à afirmação – “Eu sou negro” – se substitua a afirmação – “Eu sou socialmente progressista e antirracista –; e, finalmente, à afirmação – “Eu sou branco” – se substitua a afirmação – “Eu sou socialmente progressista e pró melanodérmico”.

A esta altura perguntam-me o motivo pelo qual um caucasiano tem de se afirmar socialmente como progressista e pró melanodérmico. A resposta está na História. A étnica caucasiana não teria sobrevivido até aos dias de hoje se não tivesse sido impactada, ao longo da História da Humanidade, por “invasões” melanodérmicas quer no período greco-romano quer na dinastia constantina que mais à frente no período do imperialismo colonial. A espécie humana não sobreviveria às imposições da Natureza se permanecesse imaculadamente conforme às características de uma raça pura.

A Biologia, a Geografia e mais recentemente as Ciências do Ambiente e a Ecologia provam que todos os momentos de colonização tiveram como fator positivo o de garantir a evolução e continuidade da espécie humana e o seu maior domínio sob a natureza. É essencial e urgente caminharmos todos em direção a uma melanodermia biológica que nos permita resistir aos movimentos mais ríspidos da natureza, como os que às crises das alterações climáticas diz respeito. Não se salva o ecossistema humano tal como ele está estruturado só com homens brancos, da mesma forma que não se salva o globo macroeconómico como ele está projetado só com homens negros.

É preciso colocar a melanina ao serviço da salvação da humanidade e as mulheres no prato da balança das desigualdades, equilibrando-a.

Que 2022 seja um ano de exercício de amor e empatia, progressista, pró feminista e pró antirracista.

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