Indigno de Portugal

À chegada ao aeroporto de Lisboa bastou percorrer alguns metros para compreender um dos porquês das longas filas para o teste ao novo coronavírus: dentro do aeroporto, um pequeno sinal indica aos passageiros a fila para quem pretende voar nos próximos dias e a mesma está vazia. Porque ninguém vê o sinal.

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LUSA/Manuel Almeida

Domingo, 2 de Janeiro. Acordámos às 7 horas e os telejornais cheios com as mesmas parangonas: “A Synlab promete testar todos os passageiros com e sem marcação”. Só não diz quando e nós com um avião para apanhar nesse dia. Não residimos em Lisboa e até lá são quase duas horas de caminho para chegar ao aeroporto às 10h30, oito horas antes do voo, seis horas antes do check-in.

À chegada, bastou percorrer alguns metros para compreender um dos porquês das longas filas para o teste ao novo coronavírus: dentro do aeroporto, um pequeno sinal indica aos passageiros a fila para quem pretende voar nos próximos dias e a mesma está vazia. Porque ninguém vê o sinal. O que todos vêem é a fila a serpentear no exterior do aeroporto, a dita fila prioritária para quem tem voo no próprio dia e à qual se juntam todos quantos chegam, com voo para o próprio dia e sem voo para o próprio dia, com marcação e sem marcação, com bilhete de avião e sem bilhete de avião, sem triagem nem destrinça, apenas pessoas, muitas e nós também, para já no fim da fila e à espera.

Agora acrescentemos à sinalética da fila prioritária as frases “Passageiros com voo hoje/Passengers flying today” e rapidamente temos na fila todos os passageiros prestes a viajar, mesmo se já com o teste feito, pois na sinalização não há uma palavra que refira ser a fila para a realização de testes.

Levou uma hora e meia para entrar no aeroporto e o relógio a bater o meio-dia. Com o check-in a abrir às 16h30 começámos a fazer contas à vida e à possibilidade crescente de perder o voo. Nós e as centenas de pessoas em redor numa marcha por demais lenta no aeroporto de Lisboa.

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João André Costa

Na ausência de quem nos desse indicações sobre tempos de espera e atendimento, procurámos pelo recinto quem nos pudesse informar, mas não há ninguém à vista, apenas elementos da polícia, muitos, no caso da desordem possível, e equipas de reportagem da RTP, CNN Portugal, SIC, entre outras.

Junto aos balcões de check-in do piso superior um rapaz aconselha-nos a procurar fazer um teste na farmácia do aeroporto, mas ou não vê as notícias ou então não devia estar a trabalhar ali, pois quando lhe explicámos sobre a falta de triagem no piso inferior mais a aglomeração infinda de centenas de passageiros, a resposta foi só uma: “Sabe, as pessoas são um pouco lerdas”.

Conclusão: se perdermos o voo de regresso, a culpa é nossa. De modo algum a culpa é de um laboratório de sobreaviso desde o Natal e que por conseguinte acha por bem ter apenas seis pessoas a testar os passageiros de 200 voos diários.

De igual modo a culpa não é de um governo que se presta a criar postos de testagem um pouco por toda a Lisboa, postos esses prontamente convertidos em votos, mas que se encontram fechados no Ano Novo e no domingo seguinte, deixando turistas, estrangeiros e emigrantes à sorte de um único centro de testagem quando agora todos procuram o regresso às suas vidas. Pensará o governo que quem viaja não vota? Nós votamos e vamos garantidamente votar.

E a culpa não será certamente da Direcção-Geral de Saúde, ao colocar centenas de pessoas debaixo do mesmo tecto e onde o distanciamento social não é senão uma piada de mau gosto.

Nota: em 14 dias em Portugal realizámos 14 autotestes, todos eles negativos. Igualmente, coibimo-nos de ver metade da família em nome da saúde e segurança mútuas para no fim, e depois de respeitar todas as regras, correr o risco de ficar infectado ao realizar um teste contra o vírus de que todos fugimos.

A culpa também não será do turismo de Portugal neste triste postal de despedida para quem nos visita, na certeza de não mais regressar depois deste espectáculo.

Salvou-nos uma funcionária da Securitas, perplexa quando lhe contámos sobre a aglomeração sem ordem nem nexo. Com a ajuda de um colega prontificou-se a fazer a destrinça entre passageiros com e sem marcação, os dois a fazer as vezes dos elementos da Synlab enquanto reorganizavam filas e filas, resgatando passageiros aflitos da multidão incluindo este que vos escreve a surfar de malas e mochilas por corredores sem fim.

E se com o seu esforço ainda levámos cinco horas em pé até à realização do malogrado teste, o que teria sido de nós sem esta intervenção divina? Infelizmente, assistimos a quem tivesse perdido o voo. E porque literalmente todos os passageiros estão retidos na zona de testes, quando chegou a nossa vez de embarcar encontrámos um aeroporto vazio.

A viagem, esta viagem de Natal depois de dois anos ausentes na quadra festiva, acaba da pior maneira: sem quaisquer saudades de Portugal. Sem qualquer vontade de ficar, só partir. Não depois disto. Não depois da falta de condições, não depois da falta de informação, não depois da falta de pessoal, não depois do caos, das horas, das filas, do stress, da desorganização e não depois de acordar às 7 horas para chegar a casa quase 19 horas depois e com um dia de trabalho à espera.

No sábado, o número de passageiros era tal que os testes só terminaram às 4 horas. No domingo, quem chegou às 6 horas sem marcação demorou nove horas para realizar um teste.

E se no fim conseguimos embarcar foi porque entre italianos, ingleses, portugueses e espanhóis procurámos saber, perguntar, informar e ajudar. Não somos lerdos, antes pelo contrário.

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