O ministro e os cavalheiros

Vamos criar comissões de cogestão dos 6400 hectares do Campo Militar de Santa Margarida ou dos 7539 hectares do Campo de Tiro de Alcochete? Ou, nestes casos, “os diretores [não] funcionaram como autarcas não eleitos” como os das áreas protegidas?

Em 23 de dezembro o PÚBLICO divulgou um artigo intitulado Este é o fim das áreas protegidas [AP], assinado por um conjunto de técnicos, na maioria ex-responsáveis pela gestão de parques e reservas naturais. Defendiam que “O processo de co-gestão das AP (...) significa o princípio do fim...” do SNAC - Sistema Nacional de Áreas Classificadas.

Em 28 de dezembro, o senhor ministro do Ambiente contra-argumentou, no PÚBLICO, com o texto “Este é um novo princípio para as áreas protegidas”, endereçando-o a “um conjunto de cavalheiros [que] escreveu neste jornal que a política de cogestão para as áreas protegidas era o seu fim.”

Nem uns nem outro têm a razão completa!

O passado das áreas protegidas não foi só de glórias (desse passado Matos Fernandes partilha já seis anos), mas foi essencialmente de afirmação das áreas protegidas, fruto da dedicação de muitos “cavalheiros”, alguns dos quais subscrevem o citado texto de opinião, como eu subscreveria.

Confunde-se, o senhor ministro, ao escrever: “Estas áreas, com paisagens humanizadas, perderam 20% da população numa década porque nada foi feito...”. É uma afirmação contrariada pelo Instituto Nacional de Estatística, que regista que, “entre 2013 e 2016, a taxa de crescimento da capacidade dos alojamentos turísticos nas áreas protegidas do país foi de 23,4%, enquanto o ritmo de crescimento verificado em freguesias não abrangidas por esta rede nacional foi de 16,3%”.

Mais acrescenta Matos Fernandes que “os diretores dos parques funcionaram como autarcas não eleitos”. E os diretores das zonas arqueológicas, os diretores dos monumentos nacionais e respetivas áreas de proteção, os responsáveis pelas servidões militares e portuárias? Vamos criar as comissões de cogestão dos 6400 hectares do Campo Militar de Santa Margarida ou dos 7539 hectares do Campo de Tiro de Alcochete? Ou, nestes casos, “os diretores [não] funcionaram como autarcas não eleitos”?

Não é verdade que, no passado, os autarcas tenham sido arredados da criação e gestão das áreas protegidas, e falo pela experiência própria da proposta de criação da Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto, que teve, desde o início (1971), o apoio da Câmara Municipal de Aveiro e me valeu um voto de congratulação da Junta Distrital de Aveiro, em 1973.

E não posso concordar com a generalização desta afirmação do senhor ministro: “Os autarcas não são quem os autores do artigo a que respondo sugerem ser.” De facto, é verdade que já perceberam a importância “comercial” das marcas “área protegida” e “biodiversidade” para a valorização do território, mas continuam (muitos) a desvalorizá-lo, fazendo baloiços, passadiços e propondo teleféricos e estradas.

Até concordo com a cogestão, mas apenas aplicada aos parques naturais e paisagens protegidas; nunca ao Parque Nacional da Peneda-Gerês (quando muito às suas áreas em ambiente rural) nem às reservas naturais. Nestes casos há valores nacionais que importa salvaguardar, tanto quanto importa salvaguardar o Palácio Nacional de Mafra ou as Ruínas de Conimbriga, e é ao poder central, e não ao poder local, que incumbe salvaguardar os monumentos nacionais, culturais e naturais.

A cogestão das áreas protegidas deve ter um conselho de administração, composto pelas entidades que atualmente integram os conselhos de cogestão e um diretor executivo, selecionado por concurso público, que seria o responsável operacional da área protegida, o seu porta-voz e o seu rosto.

E não posso estar mais em desacordo com a última frase do texto do senhor ministro: “(...)Sem humildade vos digo: o passado que defendem foi um passado de disparate de que muito poucos têm saudades”. Foi “disparate” tudo o que fizeram pelas áreas protegidas Lagrifa Mendes, Ribeiro Telles, Fernando Pessoa, Moreira da Silva, Almeida Fernandes, Carlos Pimenta, Macário Correia, Marques Ferreira, Teresa Andersen e muitos outros?

Humildemente digo: foi graças a esse “passado de disparate” que hoje temos o SNAC - Sistema Nacional de Áreas Classificadas!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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