Ano novo, desejos renovados

Portugal é um dos países europeus com maior número de anos de vida saudáveis perdidos. Essa perda de qualidade de vida está intimamente relacionada com os ha´bitos alimentares inadequados.

Findo mais um ano, é momento de olharmos para os meses que passaram e avaliarmos o que correu bem e menos bem, congratularmo-nos com as conquistas alcançadas e definirmos objetivos para o ano que se inicia. Há quem organize listas de resoluções, há quem pense nos desejos enquanto saboreia as 12 passas. Na Ordem dos Nutricionistas, vamos também fazer este exercício, que queremos partilhar com quem nos lê.

Portugal é um dos países europeus com maior número de anos de vida saudáveis perdidos. Essa perda de qualidade de vida está intimamente relacionada com os hábitos alimentares inadequados. Elevado consumo de carne vermelha, baixo consumo de cereais integrais, elevada ingestão de sal, baixo consumo de leguminosas e de frutas destacam-se como os cinco principais fatores que contribuem para esta perda de anos de vida saudável. Estes fatores de risco alimentares também contribuem para o total de mortes, nomeadamente por doenças do aparelho circulatório, diabetes, doenças renais e cancro. Este cenário preocupante não tem registado alterações benéficas nos últimos anos. Muito pelo contrário. Não devemos esquecer que na origem da maioria destas doenças que provoca a morte ou a perda de qualidade de vida estão fatores de risco alimentar passíveis de ser modificados e, consequentemente, evitados.

Em 2021 foi divulgada a Balança Alimentar Portuguesa 2016-2020, um estudo da oferta de alimentos no território nacional numa perspetiva de consumo aparente. Esta análise veio demonstrar que o aporte calórico médio diário tem vindo a aumentar, representando duas vezes o valor recomendado. A este aumento, soma-se o elevado consumo de carne e o consumo deficitário de hortícolas e fruta.

Este estudo mostrou-nos também que existiu uma redução de consumo de refrigerantes, que parece um reflexo claro da taxação das bebidas açucaradas, implementada em 2017. Este tipo de medidas, baseadas na evidência científica, podem e devem ser intensificadas pela Assembleia da República e pelo Governo e, como vemos, têm reflexos positivos.

Não foi só este estudo que demonstrou que a alimentação tem de estar na agenda nacional. Este ano conhecemos também os resultados do React-Covid 2.0, um inquérito da Direção-Geral da Saúde sobre alimentação e atividade física em contexto de contenção social.

O estudo mostra que a pandemia agravou, ainda mais, as desigualdades sociais na alimentação e na saúde, com os mais jovens e os mais desfavorecidos a aumentarem o consumo de refeições pré-preparadas, de snacks doces e salgados e de refrigerantes.

Estes dois estudos aumentam o nosso conhecimento sobre os erros alimentares dos portugeses. São um ponto de partida para os cinco desejos que a Ordem dos Nutricionistas formulou para o próximo ano. É imperioso que eles se transformem numa aspiração generalizada, que não seja esquecida pela Assembleia da República que vamos eleger.

  1. Queremos conhecer a fundo o impacto que a pandemia e as alterações na alimentação dos portugueses trouxeram para a saúde de cada um de nós. Prevemos que a obesidade se tenha agravado, que os casos de hipertensão tenham aumentado e que a diabetes tenha ficado muitas vezes por diagnosticar. Por isso, urge que no próximo ano seja encetado um estudo alargado que avalie a prevalência das doenças crónicas, a nível nacional, e que se conheçam com rigor os consumos alimentares, já que o último inquérito alimentar nacional foi realizado em 2015.
  2. Há uma clara necessidade de intensificação de políticas que, além de promoverem escolhas alimentares saudáveis, se foquem em particular nas populações mais vulneráveis, em maior risco de desigualdades, quer no acesso a alimentos, quer no acesso a cuidados de saúde, no geral, e, em particular, aos de nutrição. Impõe-se aumentar o ritmo e a intensidade nas medidas desencadeadas pelo Estado, destinadas a melhorar o estado nutricional da população. É urgente aumentar a literacia alimentar da população, contribuindo para a adoção de uma alimentação saudável.
  3. Falando em literacia, não nos esqueçamos das escolas e de como elas necessitam de nutricionistas, que possam ajudar as crianças e os jovens neste domínio. O Ministério da Educação tarda a dar resposta a esta necessidade. Mas, é precisamente a estas faixas etárias que devem ser direcionados os maiores esforços, sendo a escola o local privilegiado onde as crianças e adolescentes podem adquirir conhecimentos e competências para a adoção de comportamentos alimentares mais saudáveis.
  4. Valorizando os mais novos, não esqueçamos os mais velhos. O retrato do estado nutricional dos idosos nos lares é preocupante, uma vez que cerca de metade estão em risco de malnutrição. Só com a presença de nutricionistas nestas instituições é possível definir uma alimentação adequada aos utentes, adaptada às necessidades e características individuais.
  5. Finalmente, falemos dos cuidados de saúde de proximidade, onde os centros de saúde têm um lugar de destaque e onde a promoção da saúde deve ser palavra de ordem, com equipas de saúde multidisciplinares, onde os nutricionistas são essenciais. Eles são, contudo, ainda muito escassos. Mas, destaquemos também as autarquias. Não nos esqueçamos que a transferência de competências vem alargar as suas competências, nomeadamente na alimentação escolar, mas também na promoção da saúde e prevenção da doença. Aliás, arriscamos dizer que este é um dos setores em que o nutricionista tem maior potencial para intervir junto da população, auxiliando os autarcas na definição das políticas locais de saúde. Mas, apesar da evolução positiva, só uma em cada cinco autarquias tem nutricionistas.

A concretização destes desejos em muito auxiliaria a que os portugueses retomem as tradições alimentares e voltem à dieta mediterrânica. Um padrão alimentar saudável e sustentável, predominantemente de origem vegetal e amiga do ambiente, de proximidade, e que integra uma enorme diversidade de produtos sazonais.

Temos uma mão cheia de expectativas que queremos ver cumpridas durante o próximo ano. Desejamos que 2022 seja tempo de mudar para uma alimentação melhor, uma saúde maior e uma vida mais feliz.

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