A demagogia do “fim da austeridade”

É preciso acabar com estes ciclos de alívio temporário da austeridade, seguido de um período em que se perde tudo o que se ganhou antes e muito mais.

Numa entrevista recente, o ministro do Ambiente disse: “Ao contrário da direita, combatemos uma crise sem a palavra austeridade (...). Aquilo que temos para dizer aos mais novos não é aquilo que a direita teve, que é ‘emigrem e não sejam piegas’, (...) aquilo que temos para dizer aos mais velhos não é ‘vamos cortar-vos as pensões’ e cortá-las mesmo, todas elas foram repostas. (...) Temos um projecto que tem de ganhar muito músculo, que é o da melhoria dos salários em Portugal”.

É preciso ser mesmo demagogo para ter a lata de dizer isto, senão vejamos:

  • a austeridade do tempo da troika foi causada pela quase bancarrota em que o PS deixou o país em 2011, pois devido ao elevado valor da dívida pública já ninguém confiava em Portugal e nos emprestava dinheiro a juros que pudéssemos pagar. Assim a alternativa à troika e à austeridade era não pagar a dívida, conduzindo à venezuelização do país, com a consequente falta de produtos básicos e a redução brutal do poder de compra dos salários e pensões por via de uma inflação galopante, como a da Venezuela, que já esteve (está?) acima dos 1000% ao ano. Ou seja, o ministro tenta culpar o PSD pelas consequências das políticas de endividamento descontrolado que o PS promoveu antes de 2011, com o apoio dos outros partidos da “geringonça”.
  • A austeridade não acabou a partir de 2015, como o ministro diz: apenas abrandou, porque o Governo do PS reduziu ainda mais o investimento público, aumentou impostos e as taxas de juros nos mercados internacionais baixaram e a partir daí houve mais dinheiro para distribuir. E a redução das taxas de juro não foi mérito do Governo do PS, antes pelo contrário deveu-se à política do Banco Central Europeu de compra de dívida a juros baixos e à credibilidade que o Governo de Passos Coelho angariou para Portugal por ter equilibrado as finanças públicas.

Acresce que ao falar do PSD em geral, o ministro tenta associar Rui Rio a todas as políticas que se aplicaram no tempo da troika, nomeadamente os cortes de pensões ou as privatizações a eito. Também aqui o ministro falta à verdade: Rui Rio já disse que nunca teria cortado pensões de reforma e teria enfrentado a situação de outras formas. E o projecto do PS de melhorar salários é muito bonito, mas não passa de um desejo que todo o país partilha. O importante, aquilo que pode melhorar a vida das pessoas, são as políticas para alcançar esse objectivo. Certamente não é com as políticas do PS de aumentar os impostos e cortar no investimento e nos serviços públicos (veja-se o estado do SNS e a falta de meios para responder à pandemia) e distribuir tudo, essencialmente para agradar às suas clientelas eleitorais no curto prazo. Desta forma arriscamo-nos a uma nova bancarrota assim que os juros subirem nos mercados internacionais, pois a nossa dívida pública continua gigantesca. E aumentos de salários com o PS, como refere o ministro, são como os de 2009: mantêm-se durante algum tempo e depois com a subida dos juros baixam mais do que subiram antes, como aconteceu em 2010 aos funcionários públicos.

É preciso acabar com estes ciclos de alívio temporário da austeridade, seguido de um período em que se perde tudo o que se ganhou antes e muito mais. Para isso é preciso uma mudança de política e de políticos, e apostar no investimento, público e privado e nas exportações, para que a economia cresça e os salários e as pensões possam aumentar de forma sustentada no tempo, e não continuar a endividar o país para poder distribuir benesses no curto prazo, conduzindo a seguir a novas vagas de austeridade.

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