Fazer resoluções de Ano Novo à prova de bala

As pessoas que definem resoluções para o novo ano têm dez vezes mais probabilidade de mudarem o seu comportamento do que aquelas que não estabelecem esses objectivos.

Foto
Emiliana Hall/Unsplash

As resoluções de Ano Novo são um tema mais do que batido. Ainda para mais, geralmente inútil, porque já nos aconteceu o mesmo a todos: terminamos o ano cheios de boas intenções e grandes planos para o novo ano e, depois, passados alguns dias (para os menos resistentes) ou semanas (para os mais resistentes), acabamos por nos deixar “abandalhar” e esquecer tudo aquilo que prometemos com tamanha devoção.

Então, para quê resoluções de Ano Novo? Muitas vezes, o problema não está em fazê-las, mas em como são feitas. Segundo um estudo do Journal of Clinical Psychology, as pessoas que definem resoluções para o novo ano têm dez vezes mais probabilidade de mudarem o seu comportamento do que aquelas que não estabelecem esses objectivos. Então: “O problema é meu? Eu é que não consigo cumprir com aquilo a que me proponho?” Nada disso.

O objectivo deste texto é guiar o leitor, passo a passo, neste desafio de criar resoluções para o novo ano. Se já as definiu, melhor ainda, mas avalie se as consegue encaixar neste esquema ou se as pode “apurar”. No final, vou deixar uma sugestão de abordagem totalmente diferente às resoluções de Ano Novo, as microrresoluções, uma para cada mês do ano.

O esquema que proponho inspira-se num dos mais conhecidos modelos de mudança de comportamento — o Transtheoretical Model, de James Prochaska e Carlo Diclemente —, que define seis estágios de mudança: pré-contemplação, contemplação, preparação, acção, manutenção e recaída. Se definiu as suas resoluções para o novo ano ou se as quer definir, já ultrapassou a primeira fase, que é aquela em que ignora o problema ou está em negação do mesmo. Também já terá ultrapassado a segunda fase, em que sabe que devia mudar, mas tem um forte sentimento de ambivalência e emoções contraditórias em relação a isso, que não o deixam avançar. Muitas pessoas nunca chegam a passar a fase da contemplação. Mas este não é o seu caso, por isso vamos ao ataque!

Foto
DR

Primeira passo: preparação

O ponto de partida para qualquer mudança deve ser definir qual o seu objectivo. Parece simples, mas este é provavelmente um dos aspectos mais difíceis e aquele onde acabamos por tropeçar, mesmo antes de ter iniciado a viagem.

É frequente as resoluções de Ano Novo conterem objectivos como “quero fazer mais exercício físico” ou “quero perder peso ou ter uma alimentação melhor”. São bons objectivos, mas demasiado gerais para passarem do papel à prática. Muitas vezes, atribuímos a culpa à nossa falta de motivação, quando, na realidade, o problema é a falta de clareza.

Por isso, qualquer objectivo deve ser SMART:

Foto
DR
  • Specific (Específico)
  • Measurable (Mensurável)
  • Attainable (Atingível)
  • Relevant (Relevante)
  • Time bound (Calendarizável)

Vou pegar nos dois exemplos de resoluções que dei anteriormente: “Quero fazer mais exercício físico” e “quero perder peso ou comer melhor”. Não tem mal nenhum se as suas resoluções forem gerais, como estas. O desafio é pegar nelas e dividi-las em objectivos mais pequenos, mais concretos, que possam ser medidos e calendarizados.

Quando está a definir as suas resoluções, deve também limitar o número de objectivos. Foque-se num objectivo de cada vez e, quando atingir o primeiro, pode passar ao seguinte. Assim é muito mais provável que seja bem-sucedido e que não se deixe abater ao mínimo percalço.

Segundo passo: acção

É neste estádio que tem de passar à acção. Mas, para isso, tem de ter um plano. O esquema SMART já o ajuda neste domínio, mas o ideal é que crie um plano o mais detalhado possível sobre como vai atingir a sua resolução. Este deve incluir todos os passos que tem de dar, a motivação por detrás do objectivo e como vai responder aos desafios ou obstáculos que podem surgir. No caso do exercício físico, o início desse plano pode ser algo tão básico como:

  1. Se ainda não sabe de que actividades físicas gosta, desafie-se a experimentar três ou quatro modalidades, durante uma ou duas semanas;
  2. Inscreva-se no ginásio ou na modalidade que escolheu;
  3. Compre o equipamento de que precisa;
  4. Crie alternativas para responder aos obstáculos (se o seu objectivo é ir ao ginásio três vezes por semana, mas falha um dia, escolha uma forma de compensar: uma caminhada ou um pequeno treino em casa, por exemplo).

Muitas vezes, as nossas melhores resoluções de Ano Novo falham porque não damos tempo suficiente ou não nos debruçamos sobre cada um dos passos que temos de dar. Se o seu objectivo é ficar em forma no novo ano, é fácil ceder à tentação de atacar logo todas as frentes: exercício físico, dieta, limitar a vida social, limitar as refeições fora, etc.. Mas isso só vai fazer com que desmoralizemos mais rapidamente, porque dificilmente conseguiremos fazer “check” em tudo o que nos propomos.

Em vez de iniciar uma dieta altamente restritiva ou de querer mudar a sua alimentação da noite para o dia, vá por etapas. Por exemplo: comece por substituir uma refeição pouco saudável (um bolo ao pequeno-almoço) por uma opção mais saudável (ovos mexidos, umas panquecas ou papas de aveia, um batido de fruta); depois experimente adicionar vegetais à refeição principal; de seguida reduza as porções que põe no prato, e por aí adiante. Dê passos pequenos e, se tiver de ser, um de cada vez.

Também é fundamental criarmos uma rede de apoio para que os nossos objectivos sejam bem-sucedidos. Isso pode significar várias coisas. Pode ser simplesmente informar-se sobre o tema que quer trabalhar ou melhorar (alimentação, stress, sono), para saber melhor que direcção tem de seguir. Pode ser pedir apoio ao seu companheiro(a), aos seus filhos, aos amigos, e fazer com que eles o encorajem neste processo. Pode ser integrar-se num grupo que partilhe os mesmos objectivos. Pode ainda procurar apoio especializado. O trabalho de um health coach, por exemplo, é precisamente esse: ajudar a que os objectivos passem do papel à prática, facilitando processos de transformação individual duradouros e sustentáveis.

Terceiro passo: manutenção

Durante as primeiras semanas do ano novo, sentir-se-á certamente confiante e altamente motivado. Como ainda não enfrentou nenhum obstáculo, não sentiu nenhum desconforto nem se deparou com nenhuma tentação, parece-lhe que vai ser muito fácil fazer a mudança a que se propõe. Mas depois surge aquele dia em que não lhe apetece sair da cama ainda de noite para ir treinar ou em que não lhe apetece ir caminhar meia hora depois do jantar. Surge aquele dia em que um colega leva um bolo de aniversário ou em que os seus amigos combinam um jantar.

Esta terceira fase da mudança é fundamental: trata-se de manter o novo comportamento e evitar recaídas. É fundamental que desenvolva estratégias para lidar com as “tentações” e que se lembre de celebrar as suas conquistas e de encontrar fontes de inspiração.

Pode ser útil ter um diário ou um caderno de resoluções onde vai documentando os seus sucessos e as suas batalhas. Dele devem constar as razões pelas quais está a trabalhar naquele objectivo — afinal, são elas que o vão ajudar a continuar quando a motivação e o entusiasmo falharem. Pode escrever sobre as dificuldades e obstáculos que vai encontrando (stress no trabalho ou em casa, por exemplo) e como os contornar.

Ao acompanhar de perto o seu próprio processo, conseguirá ainda perceber o que não está a funcionar, reavaliar estratégias e fazer ajustes ao seu plano inicial.

Quarto passo: recaída

Embora o ideal fosse nunca passar por esta fase, a realidade é que as recaídas são bastante comuns. Mas não são elas o problema. O problema é quando não conseguimos ultrapassar o sentimento de fracasso, desapontamento e frustração que elas nos deixam.

Não deixe que as recaídas ameacem a sua autoconfiança. Encare-as como oportunidades para aprender, desde logo aprender mais sobre si próprio. Pergunte-se: o que falhou? O que provocou a recaída? Como é que posso evitar novas recaídas no futuro? Se for necessário, ajuste as suas resoluções.

Os nossos hábitos e comportamentos levaram anos e anos a formar-se, por isso não espere que eles mudem em apenas alguns dias, semanas ou meses. Seja paciente consigo mesmo. Qualquer mudança é um processo e, mesmo que dê um ou mais passos em falso, pode sempre recomeçar.

E que tal microrresoluções?

Em 2018, um dos editores da CNN, David Allan, decidiu romper com a tradição e em vez de definir um ou mais objectivos para o ano inteiro, propôs-se a implementar 12 microrresoluções, uma por mês, não acumuláveis.

Em cada um dos meses desse ano, David Allan eliminou um comportamento que considerava não o estar a beneficiar e tomou nota do impacto que isso teve em si e na sua família. Em Janeiro, por exemplo, cortou com o álcool. Em Março, abdicou dos doces. Em Abril, decidiu que, sempre que estivesse na presença dos filhos, não estaria a mexer em nenhum equipamento electrónico (computador ou telemóvel). Em Maio, experimentou o jejum intermitente. Em Outubro, livrou-se de todo o plástico reutilizável.

O jornalista gostou tanto da experiência que, no ano seguinte, decidiu voltar às microrresoluções, mas, desta vez, adicionando algo novo à sua vida, todos os meses. A lista incluiu meditação, poesia, mais horas de sono, mais contacto com a natureza ou praticar a gratidão.

Depois de dois anos com microrresoluções, que eram válidas apenas para o período de um mês, David Allan surpreendeu-se por ter conseguido manter alguns desses novos comportamentos. Por vezes, o que precisamos é de escrever as nossas próprias regras e confiar que o nosso corpo vai saber o que é melhor para nós. Bom Ano Novo!


Health coach, autora do projecto About Real Food

Sugerir correcção
Ler 1 comentários