Estórias da vida de um cineasta: Dormir pouco e mal mas acordar num final mélou

O realizador José Carlos de Oliveira conta-nos, na primeira pessoa, as peripécias e desafios da realização do filme “O Sítio da Mulher Morta”, de Manuel Teixeira-Gomes.

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Não sonho que sou o realizador eleito,
Aquele que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num filme a imensidade!

Adaptação contaminada da primeira estrofe de Vaidade, de Florbela Espanca.

Um prémio não me deixa indiferente. De todo. Particularmente quando chega literalmente do outro lado do mundo, atribuído por um júri que não conheço, num festival onde também não conheço sequer um dos que o organizam e gerem.

É um reconhecimento de gente dos filmes que assim votou estritamente pelo filme que propusemos a concurso e que eles viram e decidiram premiar. E, portanto, orgulha-me. Um pouco por mim, mas essencialmente porque confirma perante a nossa equipa e o Produtor o caminho que os seduzi a fazerem e o talento e capacidade técnica de todos. Porque nestas coisas dos filmes que nascem e se fazem com a pecha desta nossa nacionalidade de endémica autoflagelação, estamos marcados pelo made in Portugal e à partida condenados a encontrarem-se insuficiências que, nos filmes que nos chegam de fora, seriam geniais opções de autoria.

E, no entanto, a poucos dias de arrancarmos as filmagens, a pressão tinha atingido o topo da escala: não tínhamos ainda fechado o actor para o protagonista. Porque dos actores que a Patrícia Vasconcelos e a Matilde Jacobetty tinham elencado no casting, só num deles tinha eu identificado os particulares traços visuais, o histrionismo e a expressão corporal que poderiam dar corpo à dimensão dramática e às delicadas e contraditórias nuances daquela personagem; trazendo para o ecrã a obviedade daquilo que construímos no nosso imaginário, num jogo interminável entre os alter ego inspirados em todos nós pelo Cinema e os ego alter que o cinema retoma para reconstruir novos alter egos - como exemplarmente nos revela Edgar Morin no seu ensaio iluminista de técnica, ciência e arte, O Cinema ou o Homem Imaginário.

Mas este meu actor estava fora do País, absolutamente querendo protagonizar o filme, entusiasmado com a leitura do guião e com as telemáticas sessões de preparação mas ainda sem que tivesse conseguido chegar a bom porto nas negociações com outra Produtora, para regressar a tempo. Por esta altura tínhamos 35 criativos e técnicos prontos a arrancar, cenários e serviços contratados e todos os outros actores fechados e agendados. Falhar o arranque estava fora de questão. É nestes momentos, no mínimo assustadores, que se dorme pouco e mal; e se conta com a ponderação e frieza do produtor, para um final mélou, na tradição mais popular USA. O José Fidalgo chegou a horas, a máquina arrancou na data prevista, e o filme foi premiado.

Obrigado, Ricardo e Matilde.

Veja o trailer do filme “O Sítio da Mulher Morta”:

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Artigo da responsabilidade do realizador José Carlos de Oliveira.

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