Marito Marques: da serra à planície alentejana, com passagem pelo Canadá

Baterista com carreira internacional, sediado em Toronto, Marito Marques lançou no último trimestre de 2021 um álbum onde voltou às raízes portuguesas: A Ponte.

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Marito Marques num estúdio em Toronto DR

Baterista e professor, há oito anos radicado em Toronto e com carreira bem firmada no mundo da música, Marito Marques decidiu em 2018 mergulhar nas raízes tradicionais do seu país natal e daí nasceu um disco, A Ponte, editado no último trimestre do ano que agora finda, nas plataformas digitais e em CD. Gravado entre Portugal e o Canadá, o disco resultou de uma residência artística em Arganil com o grupo de cante alentejano Os Vocalistas e o acordeonista João Frade, participando depois nas gravações Salvador Sobral, Maro, Marco Rodrigues, Luís Trigacheiro e o guitarrista Manuel de Oliveira.

Nascido em Arganil, em 11 Julho de 1987, Marito Marques (de seu nome completo Mário João dos Santos Dias Marques) começou a tocar bateria muito cedo. Segundo a sua biografia, terá sido por volta dos 2 anos. Ele próprio, em entrevista ao PÚBLICO, não consegue estabelecer uma data: “Não tenho propriamente memória disso, o que sei é o que os meus pais dizem e algumas fotografias e vídeos confirmam: ainda bebé, aos 2 anos, pegava nos talheres e começava a tocar nas panelas, nos testos e nos pratos, depois ia para a oficina do meu avô bater com as chaves de fendas nas motorizadas dos clientes e às vezes amolgava-lhes os depósitos. Então os meus pais decidiram dar-me uma bateria de plástico, para descarregar as energias.”

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Num videoclipe de um das canções do novo disco DR

E assim tocou, “de forma muito intuitiva”, até que, aos 5 anos, teve uma surpresa: “Foi o momento mais importante da minha carreira, embora eu já tenha tocado com músicos do Prince e tanta gente assim, porque foi nessa altura que tive a minha primeira bateria verdadeira, real, embora já velha, usada e de madeira. Lembro-me de entrar no quarto e estar lá a bateria. Nessa noite não dormi.” Nunca mais largou o instrumento. Aos 10, 11 anos, começou a estudar bateria em Coimbra, depois em Viseu e por fim seguiu para Nova Iorque, onde estudou na Manhattan School of Music e no Drummers Collective.

Canadá, ida e volta

A ida para o Canadá resultou de uma conjugação de factores: em 2013, ano em que a então sua namorada (hoje sua mulher), luso-canadiana, teve de voltar ao Canadá para acabar um curso, ele viu-se com menos trabalho em Portugal e resolveu arriscar. Foi com ela e por lá ficou. Se em Portugal trabalhou com, entre outros, Carlos do Carmo, Sara Tavares, Aurea ou Ivan Lins, em Toronto tornou-se um dos mais requisitados bateristas, tendo tocado com músicos como Alex Lifeson, dos Rush, Donna Grantis, guitarrista de Prince, ou Jeff Coffin, saxofonista da Dave Matthews Band. É também professor universitário no Humber College e é proprietário dos estúdios GMP.

“Sabia que, a nível pessoal e profissional, iria crescer bastante em Toronto. E aqui estou, passados quase nove anos. Adoro Portugal, mas tenho a certeza que não teria a possibilidade de tocar com os músicos com quem toquei se tivesse ficado em Portugal. Tocaria com outros, igualmente bons, mas a verdade é que estar na terceira maior cidade da América do Norte (incluindo os EUA) abre portas para outros patamares.”

E foi já no Canadá que começou a pensar na hipótese de fazer um trabalho ligado a Portugal. “Surgiu-me uma vontade enorme de fazer um projecto mais português, já depois de me ter mudado para o Canadá, em 2013. Com a distância, senti vontade de trabalhar em algo nosso.” Pensou no Alentejo: “Depois de ter tocado com vários artistas em Portugal, antes e mesmo depois de ter vindo para o Canadá, o cante alentejano foi algo que sempre me emocionou bastante e ao qual me sinto bastante apegado, apesar de eu ser uma pessoa mais da serra. Na altura toquei com os Adiafa, que depois formaram outro grupo, Os Vocalistas. Decidi então fazer uma recolha, com o Zé Emídio, fundador dos Adiafa e também d’Os Vocalistas, e depois com outros músicos alentejanos, e pus-me a fazer uns arranjos à volta dessas músicas e de outras originais, minhas.”

Mas só isso não bastava, como ele acabou por perceber. “Senti que tínhamos de estar juntos na mesma sala, para desenvolver mais o projecto. E foi aí que decidi ir para Arganil, para uma aldeia ali perto, Torrozelas, onde a minha mãe nasceu e onde sempre viveram os meus avós maternos, até falecerem.” Instalou-se nessa casa, recentemente renovada, à qual o ligam fortes laços familiares. “É um sítio que me inspira, pela ligação aos meus avós e pelos momentos que passei lá. E também por estar ligado à serra, porque este disco tem um bocadinho dos dois lados: tem o cante alentejano, mas também o lado folclórico mais serrano e, obviamente, o jazz.” E foi assim que ali se encontraram, ele e os músicos, “durante quase uma semana”, em residência artística.

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A capa do disco

Um novo capítulo

A capa do disco reflecte a ideia do título, A Ponte, sobrepondo imagens rurais à cidade de Toronto: “É importante para nós, artistas, quando lançamos um projecto que esse projecto seja um todo. E a capa do disco é o primeiro impacto visual, na esperança que tenha uma conexão forte com o impacto auditivo. Tentei dar-lhe coerência e sentido, para que as experiências que gravei e que os outros músicos gravaram também, porque cada um trouxe a sua cor e a sua influência, estivessem espelhadas na capa do disco.”

Com onze temas, a par de recolhas com arranjos novos, há no disco vários temas assinados por Marito Marques: O manjerico, Olha o Sol, Tinto tanto quanto canto, Arrebimba o baile (estas duas últimas compostas em parceria com João Frade e com letra de Paulo Abreu Lima, 1952-2021), Amor ao longe e A ponte, espécie de coda orquestral a fechar o disco como um afastamento ou a simulação de um adeus.

Olhando o disco, Marito Marques vê nele o seu rosto, mais do que noutros que já fez: “Embora este seja um trabalho um pouco diferente daquilo que eu tenho feito, é aquele que sinto como mais verdadeiro. É o que eu sou. Nos meus outros trabalhos, de que me orgulho muito, estava à procura de mim mesmo, a explorar coisas novas sem grandes referências. Mas este disco parte de uma referência muito forte, tem a minha infância, aquilo que eu sou, aquilo que outros músicos são também e foi importante para vários deles esta ligação entre o Canadá e Portugal. Pode ser o início de um novo capítulo para mim mesmo, enquanto compositor e enquanto músico.”

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