Médicos reclamam nova estratégia para enfrentar a pandemia sob pena de serviços entrarem em ruptura

Sem novas regras para enfrentar a escalada de casos provocada pela Ómicron, cuidados de saúde primários não vão aguentar a sobrecarga. A redução dos períodos de isolamento e a libertação dos médicos de família da tarefa de acompanhar doentes assintomáticos em casa são duas das recomendações ao Governo.

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As regras adoptadas para enfrentar a pandemia deixaram de servir para fazer frente à nova variante Manuel Roberto (arquivo)

Os médicos de família têm de ser libertados das tarefas de seguimento das pessoas que estão em casa infectadas com SARS-CoV-2 e o Governo tem de reduzir rapidamente os períodos de isolamento dos infectados e de quarentena para quem manteve contactos tidos como de alto risco.

O apelo foi feito pela Ordem dos Médicos (OM), que, juntamente com a Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública e com a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, deixou um aviso: os serviços de saúde não conseguirão aguentar a sobrecarga provocada pela brutal escalada de novos casos de contágio pela Ómicron, se o Governo não mudar as regras de abordagem à pandemia, nomeadamente face ao consenso científico quanto à menor letalidade da variante.

Entre as recomendações da OM inscreve-se a reavaliação dos períodos de isolamento e de baixa por doença ou após contacto de alto risco, para, por exemplo, sete dias, “tendo em atenção a presença de factores de risco, estado vacinal e o impacto do absentismo laboral”.

Esta posição surgiu horas depois de o Governo Regional da Madeira ter decidido encurtar para cinco dias o isolamento dos infectados com covid-19, desde que a pessoa não apresente sintomas (fica obrigada ao uso de máscara nos cinco dias seguintes). A quarentena imposta às pessoas não vacinadas que tenham tido contacto de risco foi igualmente reduzida a cinco dias. As pessoas vacinadas contra a covid-19 ficaram dispensadas de cumprir o isolamento profiláctico.

Por cá, e numa altura em que Espanha também reduziu o isolamento de infectados e contactos de risco, o Ministério da Saúde empurrou a decisão para a Direcção-Geral da Saúde. Mas a OM pede decisões mais “ágeis”, nomeadamente porque o acompanhamento das pessoas infectadas que estão em casa “compromete significativamente” todas as outras actividades assistenciais dos médicos de família.

“A prioridade imposta aos médicos de família de acompanharem os ‘indivíduos covid-19’ positivos assintomáticos ou com sintomas ligeiros impossibilita o seguimento de doentes com maiores necessidades em saúde, como as pessoas com diabetes, doenças respiratórias crónicas e doença cardíaca, com impacto superior na morbilidade e na mortalidade”, concorda a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), alertando para o facto de estar em risco a capacidade de resposta aos doentes sem covid-19 e, consequentemente, para o expectável “aumento de doentes crónicos descompensados, doenças oncológicas diagnosticadas tardiamente e um aumento das taxas de mortalidade nos próximos anos”.

Em sintonia quanto à necessidade de reduzir “todos os actos administrativos e burocráticos” que pendem sobre os profissionais dos cuidados de saúde primários, a APMGF quer ver actualizado o dispositivo que mantém as linhas telefónicas dos centros de saúde a funcionar. É para os centros de saúde que muitos utentes telefonam, quando não entopem as urgências hospitalares, se não conseguem, como tem acontecido nos últimos dias, ser atendidos pela SNS24. “É imperioso investir nesta área e esse investimento tem de ser consubstanciado já, não só no material, mas também nos recursos humanos, não daqui a três ou seis meses”, lê-se no comunicado da APMGF.

Para a OM, há outras prioridades que devem ser igualmente trazidas para cima da mesa. Desde logo, o reforço vacinal urgente nas pessoas vulneráveis à doença provocada pelo coronavírus, porque 15% das pessoas com 65 ou mais anos de idade (2,3 milhões de pessoas) continuam sem reforço vacinal, dos quais mais de 230 mil com mais de 70 anos de idade”.

Impõe-se, do mesmo modo, reforçar a capacidade de resposta da linha SNS24, na testagem, nos centros de vacinação e nas equipas de saúde pública, “nomeadamente nos rastreadores”. Se quer evitar o agravamento do impacto da pandemia nos doentes “não covid”, conclui a OM, o Governo deverá também “activar a resposta assistencial do sector privado e social”.

Num dia em que Portugal atingiu um novo máximo de infecções (26.897 novos casos), o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, também disse não entender a estratégia do Governo. “Ou há efectivamente uma alteração naquilo que é a abordagem do problema ou então tem de haver uma significativa mobilização de meios para fazer face às necessidades”, declarou, citado pela agência Lusa.

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