Morreu a “pioneira trans” April Ashley, aos 86 anos

Foi em 1960 que decidiu a cirurgia. O procedimento durou sete horas, o tempo necessário para se transformar numa musa para a Vogue.

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April Ashley (à direita), em 2009, no Southbank Centre, em Londres (alguns direitos reservados) Loz Pycock

Actriz, modelo e activista. E, agora, após a sua morte, a 27 de Dezembro, aclamada como “pioneira trans”, noticia a BBC. April Ashley tinha 86 anos e distinguiu-se por ter sido uma das primeiras pessoas do Reino Unido a submeterem-se a uma cirurgia de reatribuição de sexo, tendo feito notícia no The Sunday People, em 1961​, que revelou que a top model tinha nascido como George Jamieson​.

Antes, como George, um dos seis filhos sobreviventes de uma família de Liverpool, foi vítima de bullying, primeiro na escola e depois na marinha mercante, na qual se alistou, como dizia, para se tornar mais masculino. No entanto, os abusos não cessaram e deu-se a primeira tentativa de suicídio que o levou a ser dispensado das lides marítimas. Depois de mais duas tentativas, foi internado numa instituição para doentes mentais.

Quando, por fim, teve alta, mudou-se para Londres, tendo começado a assumir-se como travesti. Já em Paris, tornar-se-ia anfitriã do Le Carousel, um clube de espectáculos de transformismo, onde conheceu personalidades como Ernest Hemingway, Jean-Paul Sartre e Bob Hope.

Foi em 1960 que se decidiu pela cirurgia. Com três mil libras no bolso (o que representaria então em torno de mais de 30 mil euros), viajou para Casablanca para se encontrar com o cirurgião francês Georges Burou​, que tinha no seu currículo várias intervenções de mudança de género.

O procedimento durou sete horas, o tempo necessário para se transformar numa musa para a Vogue, tendo sido fotografada pelo icónico David Bailey e até convidada para um pequeno papel em A Caminho de Hong Kong (1962), ao lado de estrelas como Bing Crosby, Bob Hope e Joan Collins.

Porém, a revelação de que tinha nascido homem acabaria por, na década de 60 do século passado, ser determinante para que a sua carreira como modelo e actriz não levantasse voo. Ainda assim, o facto de se saber o seu passado não impediu o casamento com o aristocrata Arthur Cameron Corbett, em Gibraltar. Condicionou, porém, o divórcio, num julgamento mediático que terminou com o juiz a deliberar que April Ashley continuava a ser um homem já que, na sua apreciação legal, não era possível mudar de sexo. Assim, em vez de um divórcio foi determinada a anulação do casamento, uma vez que não era permitido o matrimónio entre duas pessoas do mesmo sexo.

A decisão foi utilizada para definir o sexo das pessoas transgénero para muitos fins até à introdução da Lei do Reconhecimento do Género de 2004. Em 2012, April Ashley foi acolhida como membro da Ordem do Império Britânico pelo seu trabalho de defesa da comunidade transexual.

Desde o conhecimento da sua morte, as homenagens multiplicam-se pelas redes, pelas quais é aclamada como “pioneira trans”. “Uma força da natureza e sumo sacerdotisa transgénero”, escreveu o cantor Boy George, enquanto o activista LGBT Peter Tatchell considerou-a “a grande pioneira trans durante décadas” e uma “heroína”. “Uma pioneira, heroína e ícone”, reforçou o artista Daniel Lismore.

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