Maturar peixe em casa? Alexandre Silva explica como

O chef dos restaurantes Loco (com uma estrela Michelin) e Fogo, em Lisboa, ensina uma técnica importante para garantir ao bom peixe o tratamento que lhe é devido.

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Daniel Rocha

Na família dos mitos sobre peixe, assumamos dois como ponto de partida. Primeiro, a ideia de que todo o peixe que consumimos é fresco. Segundo, a máxima de “quanto mais fresco o peixe chegar à grelha, melhor”. Em rigor, e com algumas excepções de espécies capturadas pela pequena frota artesanal, muitas das variedades que consumimos chegam-nos ao prato com dois, três, quatro, cinco ou mais dias após a captura. No caso das afamadas garoupas – provenientes do Norte de África –, peixes com uma semana é o habitual. Se o peixe for bem tratado no frio, não há problema. De resto, vamos já directos ao segundo ponto, porque a estrutura muscular do peixe, como a da carne, deve descansar/maturar antes de ser comida, em particular quando estamos perante peixes de maior dimensão.

Tudo isto é fácil de perceber porque sabemos que a textura de um robalo de grandes dimensões é bem mais rija do que a de um robalo médio (e se os peixes acabaram de sair do mar, pior). A forma de dar a volta ao assunto, como o chef Alexandre Silva faz no restaurante Fogo, é maturar o peixe em câmaras de frio desenhadas para o efeito. Isto é, câmaras com controlo de temperatura e humidade. Hoje temos câmaras de frio, em condições de higiene e segurança perfeitas, mas, se virmos bem, esta técnica de maturação segue as tradicionais técnicas dos pescadores quando arrepiavam peixe com sal. Como se sabe, na hora de comer é muito mais saboroso.

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De maneira que se Alexandre Silva chega da lota noite dentro, os peixes serão amanhados com rigor no dia seguinte (não pode ficar um vestígio que seja de sangue) e colocados nas câmaras de cura. Quanto tempo? “Isto depende da espécie e do tamanho, mas quatro a cinco dias”, recomenda o chef.

Este processo tem como finalidade explorar ao máximo a textura muscular no peixe e, claro, o sabor, mas, tratando-se de um restaurante que funciona com brasas de lenhas seleccionadas e com uma técnica de grelha japonesa que consiste em espetar agulhas longas no peixe e levá-lo à fonte de calor sem que o mesmo toque noutra qualquer superfície, a técnica da maturação vai, no final, oferecer aos clientes uma pele quase tão crocante como a de um leitão à moda da Bairrada. E, já sabemos, a pele é rica de sabor.

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Caso o leitor fique a pensar que isto só é possível num restaurante, deixamos algumas notas para que cada um possa, em casa, tentar a sua sorte.

Se o ideal é ter uma área de frio dedicada ao peixe, na ausência desta pode colocar-se na base do frigorífico um tabuleiro com sal (controla a humidade) e, numa grelha superior, o peixe imaculadamente limpo de sangue (fundamental), inteiro, escalado ou em cortes.

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Decorridos os tais quatro ou cinco dias, consoante o tamanho das peças, o peixe está pronto a cozinhar.

Não é preciso agradecer ao Alexandre Silva, que gosta de espalhar as virtudes da trindade da maturação do peixe: faz bem ao sabor, faz bem à textura e faz bem à pele. No fundo, consola-nos.

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