Em Canidelo, um antigo posto de vigia vai ajudar a transformar o plástico que suja o mar

Acordo entre a Fundação Parley for the Oceans e a Câmara de Gaia permitirá instalar a primeira AIR Station do país, um local onde o plástico apanhado em acções de limpeza nas praias será transformado em algo útil, seguindo a lógica da economia circular

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O edifício, abandonado há mais de dez anos, deverá ganhar nova vida no final de 2022 Adriano Miranda

O antigo posto de vigia da Guarda Fiscal no Canidelo, em Vila Nova de Gaia, que em tempos serviu para fiscalizar o comércio (e o contrabando) que por ali passava, vai assumir uma nova função, ligada a outra forma de vigilância: a do oceano que se estende à sua frente e, em concreto, a do plástico que o polui. O projecto resulta de uma parceria da Fundação Parley for the Oceans e da Câmara de Gaia e deverá estar concluído dentro de um ano, altura em que está prevista a entrada em funcionamento da primeira oficina de reciclagem de plástico da fundação no país, a AIR Station.

Para já, o projecto foi concretizado através da assinatura de um memorando de atendimento entre a fundação e a autarquia liderada por Eduardo Vítor Rodrigues, mas 2022 deverá marcar a requalificação e readaptação do edifício que está, actualmente e há vários anos, abandonado. É aí que a Parley pretende instalar um conjunto de actividades relacionadas com a sua principal função - proteger os oceanos, apostando em processos de colaboração com vários parceiros, empenhados, sobretudo, na luta contra os plásticos e em acções de envolvimento da comunidade escolar na sua actividade. Todas estas componentes deverão estar presentes na estrutura que ali há-de nascer.

A mais simbólica das quais será a AIR Station - um modelo já utilizado pela fundação noutros pontos do mundo e que irá chegar a Portugal precisamente neste espaço de Gaia, estando previsto que, no futuro, um espaço similar venha a existir nos Açores.

O nome desta área, que Daniela Coutinho, CEO da Parley Portugal, designa por “oficina”, é um acrónimo das palavras inglesas para evitar (avoid), interceptar (interceptar) e redesenhar (redesign). É precisamente isso que se fará, por ali, com o plástico. “A ideia é que as pessoas que participem nas acções de limpeza das praias que iremos desenvolver - escolas e não só - possam depois participar, na AIR Station, no tratamento e transformação do lixo [plástico] recolhido”, explica.

Para tal, a AIR Station contará com três módulos: um para partir o plástico em pequenos pedaços, através de uma máquina de extrusão (preparando-os assim para serem transformados); um composto por uma máquina de produção de filamento reciclado e moldagem por injecção; e outro com uma impressão 3D robótica. Ou seja, ali será possível ver o plástico que sujava o oceano ser transformado em fio ou moldado num qualquer novo objecto saído da impressora 3D, num processo que, em simultâneo, ajuda a limpar o mar e estimula a economia circular.

Mas esta não será a única vertente do antigo posto de vigia. Por lá deverá também funcionar um centro de interpretação do Geossítio de Lavadores e da Reserva Natural do Estuário do Douro, um espaço interactivo que permitirá conhecer melhor a costa local, seja a sua composição ou as espécies que a habitam, e um centro educativo.

No dia da formalização do acordo entre a fundação e a Câmara de Gaia - e que contou com o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, e representantes dos três principais parceiros nacionais da Parley, o Ce3C da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o Inesc-Tec e a Marinha -, Eduardo Vítor destacou o “orgulho” em acolher no município “um projecto que aparentemente é pequeno, mas que tem uma imensidão de potencialidades no que diz respeito à consciencialização das pessoas”.

Segundo a informação disponível, o projecto a desenvolver deverá manter a “fisionomia, cor e vão existentes” da actual estrutura, mas está previsto que seja feito um acrescento ao edifício que poderá ser parcialmente coberto por “um terraço vegetal ou uma varanda-esplanada”.

Lembrando que 73% do lixo encontrado anualmente nas praias é plástico e que, dos resíduos mundiais, só 8% é reciclado, Daniela Coutinho refere que são dados como este que levaram a Parley a concluir que “só acelerando uma revolução dos materiais, desenvolvendo parcerias muito estreitas, seria possível criar um efeito transformador, guiando a acção de outros agentes”.

A Adidas tornou-se na primeira grande marca mundial a assumir essa parceria, desenvolvendo desde então uma colecção feita a partir de plástico reciclado. O caminho tem de passar também por aí, defende a CEO da fundação em Portugal e nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. “Hoje não há marca que não inclua plástico reciclado na produção - dos têxteis aos cartões bancários”, diz Daniela Coutinho, lembrando que estilistas como Stella McCartney, equipas de futebol como o Real Madrid ou, no rugby, os All Black, usam estes equipamentos feitos a partir de plástico reciclado, funcionando “como autênticos símbolos de mudança e contribuindo para despertar a consciência global para a urgência de proteger os oceanos”.

O pequeno edifício a reabilitar em Canidelo será mais um passo para fazer crescer essa consciência, acredita.

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