Nove mitos sobre a parentalidade

Alguns conselhos estão associados a mitos parentais que circulam e que não respeitam o desenvolvimento normal e saudável dos mais pequeninos.

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"Vivemos numa sociedade que se habituou a ver os bebés e as crianças pequenas como mini adultos" Markus Spiske/Unsplash

Algo por vezes inesperado, que acontece a todos nós quando nos tornamos pais, é a enorme quantidade de conselhos que nos são oferecidos por parentes e amigos bem-intencionados. Alguns serão úteis. Outros parecerão um pouco estranhos. Mas por mais bem-intencionadas que essas dicas sejam, a verdade é que algumas podem ter sérias consequências se forem seguidas. Isto porque alguns destes conselhos estão associados a mitos parentais que circulam e que não respeitam o desenvolvimento normal e saudável dos mais pequeninos.

Embora alguns sejam fáceis de ignorar, outros parecem muito mais entranhados na nossa cultura e soam plausíveis. E é essa plausibilidade e popularidade que causam mal-entendidos e, muitas vezes, stress aos pais.

Aqui fica então uma lista desses mitos mais comuns e o porquê de não os devermos levar assim tão a sério.

É expectável que os bebés e crianças pequenas durmam a noite toda

Infelizmente, isto é improvável. As crianças acordam mais do que os adultos devido ao facto de terem um sono muito diferente do dos adultos, com mais ciclos de sono (e por isso com mais despertares), além disso, com mais sono REM, isto é, mais tempo de sonho durante a noite. E sonhos em crianças pequenas significam muitos mais pesadelos: monstros debaixo da cama, sombras assustadoras a andarem de um lado para o outro e, claro, aqueles que dizem respeito às angústias da separação, que levam os mais pequeninos a sonhar que se perdem do pai ou da mãe ou que por qualquer razão ficam sem eles.

Combine estes factores com questões relacionadas com o desenvolvimento de maior autonomia e independência em geral ou, por exemplo, com a fase do desfralde, a necessidade de testar limites e as dificuldades/ansiedades de separação dos pais, que se intensificam quando têm de entrar para a creche ou quando surge um novo irmão… Consegue perceber por que é que as noites ainda não são tão tranquilas como desejaria?

Os bebés têm que ser estimulados a serem independentes

Vivemos numa sociedade que se habituou a ver os bebés e as crianças pequenas como mini adultos e, como tal, a exigir delas coisas que muitas vezes nem os adultos conseguem estar à altura. Daí que seja normal que a maior parte dos conselhos parentais seja a de tornar os mais pequeninos o mais independentes possível, o quanto antes, muitas vezes para “não darem trabalho”. Um bebé ou criança mais “agarrada” aos pais — leia-se, a tentar desenvolver a sua independência no tempo certo e com base nos seus portos seguros, mãe e pai, que lhe permitem explorar o mundo e ser uma pessoa mais segura e confiante no futuro —, é logo vista como mimalha, insegura ou tímida.

Por outro lado, essa “independência” é muitas vezes encorajada em situações em que eles têm de ser separados dos pais, como por exemplo quando são deixados na creche ou no seu próprio quarto sozinhos. A independência não é algo que se desenvolva desta forma. Só alguém que foi dependente quando tinha de ser e sentiu que estava capaz de enfrentar o mundo sem medos se pode sentir independente. É normal, saudável e necessário que os mais pequeninos não saiam debaixo das saias da mãe (ou do pai) até se sentirem capazes, o que, como todas as outras áreas de desenvolvimento, acontecerá de forma mais ou menos previsível, respeitosa e sem drama.

O desenvolvimento do cérebro do bebé é uma coisa genética, não depende dos pais

Muitas vezes ouvimos as expressões “já é dele” ou “ele é assim”, como se tudo estivesse determinado à nascença. Nada poderia estar mais errado no que diz respeito ao cérebro do bebé. O cérebro do bebé nasce imaturo e são as experiências diárias de estimulação sensorial e a forma como respondemos às suas necessidades, em particular quando ele chora, que irão determinar a forma como as células cerebrais se vão formar e se vão conectar umas com as outras.

A falta de experiências simples, mas importantes nos primeiros anos de vida do bebé (coisas como falar, ler e cantar com o bebé com frequência), certamente desempenharão um papel no desenvolvimento de conexões no cérebro do seu filho. De facto, estudos científicos mostraram que os bebés que experimentam mais destes tipos de interacções possuem mais vocabulário, têm mais sucesso na escola, têm maior probabilidade de concluir o ensino médio e até mesmo ter um futuro com mais sucesso financeiro. O impacto é enorme e o poder está nas suas mãos, não nos seus genes.

O castigo é uma forma de melhorar o comportamento dos mais pequenos

É consensual para a maioria dos pais que o facto de a criança ter uma consequência para um comportamento “mau” ou inadequado que tenha tido, vai fazer com que ela mude o seu comportamento. No entanto, os pais tendem a pensar que gritar ou retirar um privilégio vai automaticamente ter como consequência a diminuição desse comportamento. Na realidade, formas de punição normalmente usadas pelos pais, tais como gritar ou usar o olhar para repreender não são por si só formas eficazes de diminuir o comportamento problemático. O que a investigação mostra é que, embora a punição possa temporariamente diminuir ou mudar o comportamento, os efeitos não são duradouros e muitas vezes esse comportamento volta a aparecer horas ou dias depois.

Então, por que temos tendência a punir as crianças? Por duas razões: uma é que aparentemente parece resultar, não porque mudemos o seu comportamento, mas porque a criança fica inibida (ou com medo) aquando da nossa presença, fazendo-nos achar que o comportamento vai ser alterado. Outra, porque naquele momento estamos com raiva e nos enganamos a nós próprios ao pensar que estamos só a educar os nossos filhos.

Os bebés precisam de ir para a creche para socializarem

Na verdade, as crianças aprendem a socializar principalmente com os pais. Elas não precisam de ir para a creche brincar com outras crianças, para socializar, precisam de nós. Se pensarmos bem, quando as crianças vão para a creche, vão juntar-se a um grupo de meninos e meninas com mais ou menos a mesma idade e, portanto, com o mesmo nível de gestão de competências de conflitos, por exemplo.

As crianças não precisam de nada extraordinário além de poderem fazer parte do nosso dia-a-dia: ir às compras, falar com o senhor da padaria, ajudar a preparar o jantar e dar passeios pelo parque. Elas não precisam de mais nada, elas nascem “programadas” para serem sociáveis, connosco. Sem nos apercebermos estamos sempre a ensinar-lhes o que elas vão precisar em termos de competências. A forma como nós próprios interagimos com os outros em diferentes contextos vai influenciar muito mais a forma como os nossos filhos vão socializar com o mundo do que os dias passados na creche.

Os bebés que fazem birra são mal-educados

Todas as crianças fazem birras, umas mais outras menos, mas todas em algum momento vão necessitar de “deitar cá para fora” o que estão a sentir, isto é, a dificuldade que estão a ter em gerir as suas emoções. Na verdade, as birras fazem parte da infância e se, por um lado, não indicam “maldade” por parte das crianças, tão pouco indicam o sucesso ou insucesso de um determinado estilo parental.

Quando nós, adultos, sentimos raiva ou frustração não desatamos a gritar o mais que os nossos pulmões conseguem no meio do supermercado, porque sabemos que socialmente não seria apropriado e porque temos a capacidade de pensar acerca do assunto e ser capazes de nos acalmarmos internamente. Pois bem, as crianças por volta dos dois anos ainda têm algumas áreas cerebrais (córtex pré-frontal) a maturar, áreas essas responsáveis pela regulação emocional, o que significa que fazem birras porque não é possível lidar com emoções, por vezes tão avassaladoras para a capacidade imatura dos seus pequenos centros de regulação. Pense no cérebro de um pequenito como uma panela de pressão, exposta à estimulação (no fogão) — eles ficam completamente impotentes para impedir que todos aqueles sentimentos fervam e façam assobiar e rodar o botãozinho da panela, ao máximo. As birras não são um sinal de falta de educação, são um sinal de ser criança em desenvolvimento.

É suposto os bebés deixarem as fraldas até aos três anos

As crianças estarão prontas para o desfralde cada uma na sua idade. Tal como em outras áreas do desenvolvimento, cada um terá o seu ritmo e uns irão com mais facilidade deixar as fraldas do que outros, sendo que estes últimos podem necessitar das fraldas até aos quatro anos. Pedir a uma criança que largue as fraldas quando ela ainda não deu sinais (emocionais, cognitivos e comportamentais) de que está pronta, é iniciar uma guerra em que todos vão sair a perder. Devemos sempre respeitar o ritmo de cada um, seguindo os sinais que cada criança nos dá. Isto é válido também para o desfralde nocturno. A pressa é inimiga nesta situação e pode resultar num prolongar de “acidentes” durante muito mais tempo.

Os mais pequenos devem partilhar as coisas

Ora aqui está outro mito interessante. Quando o nosso filho está no parque ou numa festa, a brincar com o seu boneco preferido e se aproxima outra criança, a nossa tendência imediata é dizer “empresta o brinquedo ao menino! Tu depois tens mais tempo para brincar com ele!”. E no caso (mais provável) de o nosso filho não querer de todo emprestar, fica logo sobre a nossa cabeça uma nuvem de culpa do tipo “não sei ensinar o meu filho a partilhar “ou “agora estes pais devem estar a pensar que o meu filho é mal-educado!”. Mas coloque-se no lugar dele, está a ler o seu livro preferido e aproxima-se um adulto de si e você tem de dar o livro para o outro ler. Parece justo ou fazer sentido?

Mais ainda, os pequeninos não têm ainda a capacidade para entender o conceito de partilha. Só serão capazes de o entender quando os seus cérebros forem capazes de trabalhar sobre raciocínios elaborados, o que só irá acontecer anos mais tarde (por volta dos 4 anos). Quanto mais responsivos, calorosos e generosos os pais forem no primeiro ano, mais provavelmente veremos algumas tentativas espontâneas de partilha no segundo e terceiro anos e, aos quatro anos, a capacidade de entender a diferença entre os “brinquedos de todos” (como é o caso dos brinquedos da sala do infantário) e os “seus brinquedos”. Convenhamos que mesmo na idade adulta, algumas pessoas são muito melhores nisso do que outras!

As crianças pequenas devem dizer “por favor”, “desculpe”, “obrigado” e dar beijinhos

Esta é outra das tarefas inglórias para os pais. Todos queremos ter um filho bem-educado, mas por vezes a forma como a sociedade exige que o façamos não poderia ser mais ao lado. Dizer “obrigada” e “por favor” não só faz parte da boa educação, mas é acima de tudo uma manifestação de gratidão sentida internamente. Algo que os mais pequeninos não têm ainda desenvolvido, por isso a melhor forma de os ajudar a mostrar bondade, empatia e gratidão genuína não é fazendo deles papagaios em relação a estas normas sociais que eles ainda não compreendem, mas sim moldando este comportamento através de nós.

Se as crianças pequenas forem tratadas com respeito, aprenderão, com o tempo, a tratar os outros com gentileza e respeito, sem necessidade de lembretes da nossa parte. Como? Usando com os nossos filhos “por favor” e “obrigada” quando lhes fazemos pedidos, deixando que eles nos ouçam a dizer de forma genuína “desculpa” quando cometemos um erro. Com o tempo eles vão entender o conceito de gratidão e de regras sociais. Até lá, diga “por favor” e “obrigado” por eles.

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