Estátua em memória do massacre de Tiananmen desmantelada durante a noite em Hong Kong

“Pilar da Vergonha” foi removido da Universidade de Hong Kong, que justificou a medida com “potenciais questões de segurança resultantes da fragilidade da estátua”. Movimento pró-democracia denuncia repressão chinesa.

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Trabalhos de retirada da estátua do campus da Universidade de Hong Kong Reuters/TYRONE SIU

Dois meses depois de a Universidade de Hong Kong ter dado ordem para a retirada do “Pilar da Vergonha” do seu campus, a obra que ali estava há mais de duas décadas e que servia de memorial das vítimas do massacre de Tiananmen de 1989 foi desmantelada entre a noite de quarta-feira e a madrugada desta quinta-feira.

Os trabalhos de remoção da escultura contaram com a supervisão de vários elementos do corpo de segurança da cidade, que impediram os que passavam pelo local de se aproximarem.

A estátua de bronze, com oito metros de altura e que mostrava representações de corpos humanos empilhados, da autoria do escultor dinamarquês Jens Galschiot, era um dos últimos locais públicos da antiga colónia britânica – cuja soberania foi transferida para República Popular da China em 1997 – de homenagem aos estudantes de Pequim que desafiaram o Partido Comunista Chinês (PCC) e que foram brutalmente reprimidos pelo regime no dia 4 de Junho de 1989.

Num comunicado divulgado nesta quinta-feira, a Universidade de Hong Kong justificou a decisão de retirar a estátua com questões de segurança relacionadas com o seu estado de degradação.

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Conhecida por "Pilar da Vergonha", a obra é da autoria do escultor dinamarquês Jens Galschiot JEROME FAVRE / EPA

“A decisão sobre esta estátua antiga foi baseada em aconselhamento jurídico externo e em avaliação de risco, no melhor interesse da universidade. A universidade também está muito preocupada com as potenciais questões de segurança resultantes da fragilidade da estátua”, lê-se no comunicado, citado pela Reuters.

O seu desmantelamento é, no entanto, visto pelos críticos do PCC e pelo movimento pró-democracia de Hong Kong como mais um gesto de “opressão”, ordenado por Pequim e cumprido à risca pelas instituições políticas e públicas do território semi-autónomo, para apagar da memória colectiva um evento histórico que é praticamente inexistente na discussão pública chinesa.

A remoção da obra acontece numa altura em que as habituais vigílias de homenagem às vítimas de Tiananmen estão proibidas – por causa da pandemia, segundo o governo de Carrie Lam – e em que há vários líderes estudantis e pró-democracia presos e condenados por terem organizado e promovido essas mesmas vigílias no ano passado.

“[O desmantelamento da estátua] acaba com mais um espaço público central de comemoração do massacre e aparenta ser um sinal de que os governos de Hong Kong e de Pequim já não vão tolerar mais manifestações públicas de recordação dos eventos de 4 de Junho”, diz à BBC Ian Chong, professor associado na Universidade Nacional de Singapura.

A região administrativa especial chinesa de Hong Kong vive um período de enorme convulsão política. Depois de um ano de 2019 marcado por manifestações massivas e motins contra a ingerência de Pequim na cidade, em Julho do ano passado entrou em vigor uma controversa lei de segurança nacional, que a oposição diz ser uma ferramenta para criminalizar a dissidência e que a comunidade internacional Ocidental diz violar o princípio “um país, dois sistemas” e o estatuto de semi-autonomia do território.

Centenas de activistas políticos, jornalistas e antigos deputados ligados ao movimento pró-democracia foram detidos ao abrigo desta lei – que tipifica os crimes de “secessão”, “subversão”, “terrorismo” e “conspiração com forças estrangeiras” e dá amplos poderes judiciais ao governo e às instituições pró-Pequim – e outros foram forçados a sair de Hong Kong, com medo de represálias.

Entre os detidos e acusados estão alguns dos organizadores das eleições primárias do movimento pró-democracia para a escolha dos candidatos ao Conselho Legislativo. A eleição para este Parlamento, inicialmente agendada para Setembro do ano passado, foi adiada por causa da pandemia e, pelo meio, foi aprovada uma reforma eleitoral que reservou apenas aos “patriotas” o direito de se candidatarem e que reduziu para 20 o número de deputados eleitos pela população, num total de 90.

As eleições realizaram-se no passado domingo, praticamente só tiveram candidaturas pró-Pequim e, apesar dos esforços do governo para mobilizar os eleitores, a participação foi a mais baixa de sempre – apenas 30,2%.

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