“É pouco provável que alguma vacina se torne completamente ineficaz”, diz directora científica da OMS

Organização Mundial da Saúde desaconselha doses de reforço generalizadas, porque agravam desigualdade na distribuição global das vacinas. Faltam ainda dados para avaliar o real impacto da variante Ómicron na pandemia.

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Cartaz no Reino Unido apelando à vacinação com a dose de reforço Reuters/TOBY MELVILLE

Sabemos que é necessária uma quantidade maior de anticorpos para neutralizar a infecção pela variante Ómicron, “mas a resposta dos linfócitos T permanece, por isso as vacinas contra a covid-19 que temos devem continuar a proteger-nos”, disse Soumya Swaminathan, directora científica da Organização Mundial da Saúde (OMS), numa conferência de imprensa através da Internet em que foi apresentada a posição do comité consultivo sobre vacinação a propósito das doses de reforço. “É pouco provável que alguma vacina se torne completamente ineficaz”, advertiu Swaminathan.

O relatório do grupo de peritos reflecte o trabalho de vigilância da OMS sobre o comportamento que as vacinas têm na vida real, para além dos dados dos ensaios clínicos fornecidos pelos fabricantes. A recomendação sobre as doses de reforço vem na linha do que tem sido a posição da OMS – desaconselha-a se for uma política generalista, para vacinar toda a população e não apenas os mais frágeis. A OMS só aconselhou a terceira dose para maiores de 60 anos que tenham tomado duas vacinas chinesas (da Coronavac e da Sinopharm), as que usam o vírus inactivado para desencadear uma resposta imunitária.

“No contexto das actuais limitações e desequilíbrios a nível global no acesso às vacinas, a administração ampla de doses de reforço arrisca-se a fazer aumentar a procura em países que já têm uma cobertura vacinal substancial e a desviar as vacinas [de outros países], em que populações prioritárias ainda não têm a imunização primária”, escrevem os peritos. No entanto, 126 países, entre os quais Portugal, iniciaram já a estratégia da administração de doses de reforço à sua população. São todos países de altos rendimentos ou no escalão mais alto dos médios rendimentos, diz o grupo de peritos. Alguns países, como Israel e o Brasil, começaram a avançar para uma quarta dose para as populações mais vulneráveis.

Mas enquanto isto acontece, três em cada quatro trabalhadores dos serviços de saúde no continente africano ainda não estão vacinados contra a covid-19, sublinhou o director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. “Devemos trabalhar para alcançar tão rápido quanto possível o objectivo de ter 40% da população mundial vacinada, e de imunizar 70% do mundo até meados de 2022”, recordou. “Já conhecemos este vírus melhor, e temos ferramentas para usar contra ele. Temos é de as aplicar de forma abrangente e justa”, sublinhou.

“Temos muita esperança em conseguir fazer melhor em 2022. Não estamos ainda sequer perto do fim da pandemia, mas há uma grande vontade colectiva para lhe pôr fim, embora subsistam grandes problemas de desigualdade e confiança”, comentou Mike Ryan, director da OMS para as situações de emergência.

A variante Ómicron pode vir baralhar um pouco mais as coisas. “Sabemos que tem mutações que lhe permitem, por exemplo, aderir melhor às células para as infectar, e que parece desenvolver-se melhor no sistema respiratório superior, em vez dos pulmões. Mas as informações sobre a gravidade da doença que causa são ainda muito incompletas, não sabemos se será mais grave ou menos grave se a Delta. Há algumas indicações de que as pessoas internadas com a variante Ómicron parecem necessitar menos de suplemento de oxigénio. Mas à medida que a variante avançar nas pessoas mais velhas, vão morrer mais pessoas”, disse Maria van Kerkhove, analista técnica da OMS para a covid-19.

Não é possível ainda dizer se a Ómicron vai substituir a Delta, ou se as duas variantes vão co-existir no mundo. “Estamos a caminho da covid-19 se tornar endémica, certamente, mas isso não quer dizer que não continue a ser perigosa. Mas estamos ainda no meio de uma pandemia, que ainda terá uma longa transição, esperamos ver uma oscilação para uma infecção mais sazonal, menos mortes e hospitalizações, embora com surtos violentos em populações não protegidas”, descreveu Maria van Kerkhove. “Continuamos com uma atitude humilde perante este vírus, que ainda tem muitas surpresas para nós”, disse.

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