Desenvolvimento e multidimensionalidade

A solução para os problemas ambientais actuais dificilmente pode ser entendida como uma tentativa fazer um bolo homogéneo decrescer.

O crescimento económico, medido através da variação percentual do produto interno bruto, foi durante muito tempo visto como um dos principais objectivos da política económica. Era também visto como uma forma de tratar os problemas sociais sem interferir com a estrutura socioeconómica a um nível mais fundamental: se pelo crescimento económico se resolvesse o problema da pobreza, a desigualdade socioeconómica pareceria menos problemática.

No entanto, os mecanismos causadores da pobreza têm um carácter multidimensional, e acabou por ser aceite que desigualdades em vários níveis, como no acesso à educação ou saúde, acabam por ter um impacto significativo na pobreza. Aliás, têm impacto no próprio crescimento, dado que educação e saúde influenciam decisivamente, e por canais multidimensionais, aquilo a que erradamente chamamos capital humano (designação que pressupõe uma visão do ser humano como um instrumento de produção, e que talvez seja mais adequadamente substituída por algo como potencial humano).

De resto, o próprio crescimento é um fenómeno multidimensional. O crescimento económico não é o aumento percentual de uma massa homogénea, mas uma transformação estrutural em que se altera a composição e importância relativa dos vários componentes que constituem o produto interno bruto. Pela mesma razão, a solução para os problemas ambientais actuais dificilmente pode ser entendida como uma tentativa fazer um bolo homogéneo decrescer. Tal como no passado nunca se tratou de fazer um bolo homogéneo crescer. Trata-se antes de uma transformação estrutural e multidimensional da forma de organizar a relação da economia e da sociedade com o ambiente e as suas fontes de energia, com implicações para a sustentabilidade dos recursos naturais, para a poluição (outro conceito que precisa ser definido multidimensionalmente), para o contexto geopolítico (dependendo dos territórios onde se encontrarem determinados recursos naturais), e para o tipo de valores e sociedade em que vivemos.

Esta visão multidimensional mostra também que a própria composição do produto interno produto é uma expressão da estrutura económica, do tipo de sociedade em que vivemos, e dos valores que a constituem. A forma de quantificar o crescimento, através da variação percentual do produto interno bruto, levou a que muitas vezes se esquecesse a sua natureza multidimensional. E num mundo em que cada vez temos acesso a mais informação, é natural que surjam cada vez mais indicadores e formas de quantificação que procuram sistematizar num número toda a informação disponível, reduzindo muitas realidades multidimensionais a indicadores sintéticos através dos quais pensamos compreender a realidade. Mas quando essa quantificação se torna um exercício algorítmico e superficial que faz perder de vista a natureza multidimensional da realidade (como acontece com as métricas e algoritmos cada vez mais utilizados em detrimento do nosso pensamento), torna-se um obstáculo para entendermos o que seria um desenvolvimento humano e sustentável.

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