Dezenas de milhares celebram na rua vitória histórica da esquerda no Chile

Milhões de chilenos votaram em Gabriel Boric com a expectativa de mudanças profundas. Isso e um receio de regresso ao passado e aos ideais de Pinochet ditaram a derrota do candidato ultraconservador.

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Gabriel Boric falou aos apoiantes depois de confirmada a vitória Elvis Gonzalez/EPA
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A festa nas ruas de Santiago do Chile juntou muitos jovens Esteban Garay/EPA
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Um retrato de Salvador Allende, derrubado no golpe de 1973, entre as celebrações Esteban Garay/EPA

O mais jovem Presidente de sempre no Chile prepara-se para abrir as portas do Palácio de La Moneda a uma geração que se encontrou nas revoltas sociais de 2011 e 2019, quando ocupou as ruas em protesto contra o modelo de desenvolvimento económico que fez do país um dos mais desiguais do mundo. Em Março, na tomada de posse, Sebastián Piñera cederá o poder aos que se mobilizaram durante os seus dois mandatos, e o antigo líder estudantil Gabriel Boric, de 35 anos (terá 36 na altura), sentirá o peso das enormes expectativas que levaram milhões de chilenos às urnas.

“Que alegria, que esperança! Começamos um novo caminho, o caminho de mais justiça social, de mais igualdade”, diz Catalina Figueroa, socióloga de 32 anos que a agência AFP encontrou nos festejos em Santiago. Militante do partido Revolução Democrática, uma das formações de esquerda que integraram a aliança forjada por Boric, Figueroa foi uma entre dezenas de milhares de pessoas que não quiseram ficar em casa na noite eleitoral. Boric promete construir um Estado social e derrubar o modelo de desenvolvimento económico erguido durante a ditadura e que sofreu alterações sem nunca ser realmente posto em causa nos últimos 30 anos.

“Olé, olé, quem não salta votou em Kast”, cantou-se nas ruas, entre muitas buzinadelas. Kast é José Antonio Kast, o advogado de 55 anos ultraconservador que fez campanha pela continuidade de Augusto Pinochet no referendo de 1988, símbolo do modelo ultraliberal que se apresentou como candidato da lei e da ordem. “O povo unido jamais será vencido”, cantou-se também. “Estou tão feliz e tão aliviada”, desabafou Barbara Araya, empresária de 30 anos. “Boric era o candidato da defesa do ambiente, dos direitos das mulheres e das diversidades sexuais.”

O alívio desta eleitora foi partilhado por muitos: Kast foi o mais votado na primeira volta, a 21 de Novembro, e esta é a primeira vez que um candidato derrotado na primeira volta vence à segunda. Boric obteve agora 56% dos votos; Kast 44%. Às urnas foram 8,3 milhões de pessoas, 55% dos eleitores, a participação mais alta desde que o voto passou a ser voluntário, em 2012, e mais oito pontos do que na primeira volta, quase mais um milhão de pessoas.

Na eleição mais polarizada da história democrática chilena, ambos sublinharam a sensação de voto decisivo, nota Jorge Galindo no jornal El País. Venceu folgadamente Boric, que teve mais 2,7 milhões de votos; entre estes, escreve Galindo, incluem-se naturalmente centristas que lhe emprestaram o seu voto, “mais assustados pelos terrores invocados pela retórica nacionalista de Kast do que pela incerteza de um activista apoiado pelo comunismo militante”, mas também “um número considerável de chilenos mais atraídos pela mudança do que pela ordem”.

“Entre o medo e a esperança, como quase sempre nas votações e especialmente nas mais polarizadas, ter-se-á decidido esta divisão final”, continua. “Com as duas condições terá de cumprir Boric”, acrescenta, num caminho que vai ser atravessado por outros obstáculos, como a falta de uma maioria clara maioria legislativa, um processo constituinte em curso, incertezas económicas e uma pandemia.

Cumprindo uma velha tradição da democracia chilena, Piñera e Boric surgiram juntos numa videoconferência, com o primeiro a garantir o total apoio do seu Governo durante os três meses da transição. “Vou ser o Presidente de todos os chilenos”, prometeu o eleito na conferência transmitida pela televisão. “Vou fazer o meu melhor para estar à altura deste tremendo desafio.”

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