O adultério e o processo de divórcio

“…não haverá lugar à pensão de alimentos sempre que seja clamorosamente injusto impor tal obrigação ao cônjuge que estaria, em princípio, obrigado a pagá-la”.

O adultério foi, tradicionalmente, uma das razões primeiras para o divórcio, com duras consequências para os infratores. A partir de 2008, passámos a ter um regime legal de divórcio que deixou de depender do apuramento de culpas, um regime dito “objetivo” em que o tribunal se limita a atestar a falência da relação conjugal decretando o divórcio. Assim, as violações dos deveres conjugais – fidelidade, respeito, coabitação, cooperação e assistência – deixaram, em princípio, de acarretar consequências para os cônjuges.

Sucede que, em paralelo ao divórcio, existem uma série de outras matérias que terão de ser decididas. É o caso da regulação das responsabilidades parentais quanto aos filhos com menos de 18 anos, do eventual pagamento de uma pensão de alimentos a um dos cônjuges, da atribuição da casa de morada de família, etc. E é no âmbito destas matérias, ou algumas delas, que a violação dos deveres conjugais poderá assumir relevância.

O Código Civil prevê que o direito a alimentos entre ex-cônjuges poderá ser negado por razões de manifesta equidade (Cf. art. 2016.º, n.º 3). Significa isto que não haverá lugar à pensão de alimentos sempre que seja clamorosamente injusto impor tal obrigação ao cônjuge que estaria, em princípio, obrigado a pagá-la. Imagine-se um marido que comete crimes contra a sua mulher, dando causa ao divórcio e, ainda assim, solicita ao tribunal que fixe uma pensão de alimentos a ser-lhe paga pela vítima! Neste caso, e com fundamento na gravíssima violação do dever de respeito, poderá – deverá – o tribunal negar-lhe o direito a alimentos.

Já nos casos de separação de facto de cônjuges que permanecem casados, a lei continua a fazer expressa referência à culpa, prevendo que apenas o cônjuge “inocente” - que não deu causa à separação - poderá exigir do outro cônjuge o cumprimento do dever de assistência (Cf. art. 1675.º do Cód. Civil).

Também em matéria de atribuição da casa de morada de família a violação dos deveres conjugais poderá assumir relevância. Com efeito, e por similitude de razões, deverá ser negada a atribuição da casa a um dos cônjuges sempre que se deva considerar chocante impor tal sacrifício ao outro cônjuge.

Já no caso da definição das responsabilidades parentais referentes aos filhos, a violação dos deveres conjugais não será, em princípio, relevante: o (superior) interesse a salvaguardar é o das crianças e não se vê que este possa ser molestado em virtude de um dos progenitores se ter envolvido em relações extramaritais durante o casamento. A violação dos deveres conjugais só assumirá aqui importância na medida em que configure também uma violação de deveres dos pais relativamente a seus filhos. Será o caso, por exemplo, de um progenitor que viola o dever de assistência relativamente ao seu cônjuge e, ao mesmo tempo, o de assegurar o sustento dos filhos.

Se a alteração legislativa de 2008 eliminou, em grande medida, a culpa do processo de divórcio, a verdade é que a apreciação subjetiva do comportamento das partes durante o casamento continua a poder ter relevância no âmbito das matérias decididas a par do divórcio, como o são a regulação das responsabilidades parentais, a pensão de alimentos entre ex-cônjuges e a atribuição da casa de morada de família. E, em todos estes casos, a culpa dos cônjuges poderá ser mesmo o fator determinante na decisão a tomar pelo tribunal.

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