Morra o Dantas!

É necessário que alguém diga que a campanha de suspeição movida contra a directora-geral da Saúde a propósito da vacinação das crianças contra a covid-19 é intolerável.

Já que que ninguém o fez, principalmente quem tinha obrigação de o fazer, inequivocamente, sem cedências, é necessário que alguém o faça. A propósito da vacinação das crianças contra a covid19, está a ser movida, de alguns dias a esta parte, uma campanha de suspeição contra a directora-geral da Saúde, cujo único adjectivo que me ocorre é intolerável.

A campanha, embora tenha sujeitos distintos e objectivos supostamente diferentes, considerando a argumentação que cada um deles utiliza para defender os seus pontos de vista, resulta no mesmo. E a argumentação, de ambos os lados, é a exigência da publicitação dos pareceres científicos sobre aquela vacinação. Contudo, não existe qualquer clamor público que coloque em causa a decisão da Direcção-Geral da Saúde. O que passou a existir, na continuação das exigências daqueles dois sujeitos, são opiniões avulsas em que o contraditório técnico-científico está igualmente ausente.

Se há programa de saúde com larga experiência acumulada e com resultados demonstráveis, nomeadamente na progressiva diminuição da mortalidade e da morbilidade infantil é o Plano Nacional de Vacinação, instituído em 1965, e de que Arnaldo Sampaio foi um dos principais impulsionadores, enquanto director do Instituto de Virologia e Bacteriologia, tendo vindo a ser também director-geral da Saúde entre 1974-78. Em mais de um século, nunca a Direcção-Geral da Saúde foi alvo de tanto escrutínio técnico e político como tem sido nos últimos tempos, de partidos, desde que os partidos de direita passaram para a oposição, e, inclusive e surpreendentemente, da Ordem dos Médicos.

Embora não esteja acima da lei e das dúvidas que as suas decisões possam suscitar, no caso desta vacinação o interesse político de um dos sujeitos é óbvio. Para a direita é de toda a conveniência desviar as atenções para assuntos marginais ao que de facto interessa à população, numa altura em que a ordem do dia devia estar a ser ocupada pelas medidas que cada partido tem a propor; da parte da Ordem dos Médicos, é a continuação do conflito com a tutela por outros meios.

Se ambos estivessem de boa-fé, bastava lerem dois parágrafos do comunicado que a OMS enviou à imprensa para ficarem esclarecidos sobre o assunto: “A vacinação que diminui a transmissão da covid-19 neste grupo etário pode reduzir a transmissão de crianças e adolescentes para adultos mais velhos e podem ajudar a reduzir a necessidade de medidas de mitigação em escolas”, refere, adiantando que “os efeitos indirectos mais importantes estão relacionados com o encerramento de escolas, que interrompeu a prestação de serviços educacionais e aumentou o sofrimento emocional e os problemas de saúde mental”. No mesmo sentido pronunciou-se a EMA, a Agência Europeia do Medicamento, relativamente à vacina Comirnaty: “O Comité dos Medicamentos para Uso Humano da EMA recomendou a concessão de uma extensão de indicação para a vacina Comirnaty para incluir a utilização em crianças dos cinco aos 11 anos de idade”.

Mas, se mesmo assim não ficassem convencidos com aqueles pareceres, havia sempre a possibilidade de recurso ao pedido de acesso à informação disponível na DGS. Estou certo que, tanto aos dirigentes da Ordem dos Médicos como aos líderes dos partidos que desencadearam esta campanha, ser-lhes-ia facultada toda a documentação necessária para poderem formular um juízo informado sobre a medida em causa. Mas seria diferente esta diligência daquela que resolveram promover, vir para o espaço público agitar dúvidas e criar uma polémica sobre a credibilidade de uma instituição cuja directora é uma especialista de saúde pública, experiente e particularmente cuidadosa em todas as decisões que tem tomado. Quando se tratam acontecimentos como o que estamos a viver da maneira como estes foram tratados, deve haver sempre lugar para a indignação. Porque é diferente divulgar documentos de carácter científico ou divulgar um parecer técnico que se baseou naqueles para ser presente a quem decide. Ainda assim, a directora-geral da Saúde, ao agir da forma como agiu, colocando à disposição de quem estivesse interessado toda a documentação utilizada para a tomada de decisão, mostrou um elevado espírito de responsabilidade, colocando acima de qualquer polémica a protecção das crianças e da comunidade.

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