ONU alerta para ameaça de “violência generalizada” na Etiópia

Governo de Adis Abeba acusa Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas de “neocolonialismo” por ter convocado uma sessão especial para discutir as violações dos direitos humanos.

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Membros das forças especiais de Amhara patrulham a fronteira da Etiópia com a Eritreia Reuters/Stringer .

As Nações Unidas afirmaram esta sexta-feira que todas as partes envolvidas no conflito na Etiópia mantêm as práticas de abusos, e alertaram para a ameaça de um cenário de “violência generalizada” com graves consequências para a região.

Em resposta, a Etiópia acusou o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, reunido esta sexta-feira em Genebra, de “neocolonialismo”, exactamente por ter convocado esta sessão especial para abordar a questão das violações de direitos no país, devastado por uma guerra que se prolonga desde o início de Novembro de 2020.

"O multilateralismo está, mais uma vez, refém de uma mentalidade neocolonialista. A Etiópia foi tomada como alvo e acusada no Conselho de Direitos Humanos por defender um governo democraticamente eleito, a paz e o futuro do seu povo”, declarou o embaixador etíope, Zenebe Kebede, durante o debate em Genebra.

Na reunião, solicitada pela União Europeia com o apoio de dezenas de países, incluindo os Estados Unidos, os 47 Estados-membros do Conselho, discutiram a proposta de nomear uma equipa de investigadores para trabalhar no levantamento das alegadas violações dos direitos humanos no contexto da guerra.

"A gravidade e a escala das violações e atrocidades cometidas contra os civis por todas as partes são inaceitáveis. (...) O estabelecimento de um mecanismo de investigação internacional independente é urgente e necessário”, defendeu a embaixadora eslovena, Anita Pipan, em nome da UE.

Os países africanos, através do representante dos Camarões, o embaixador Salomon Eheth, alinharam-se com a Etiópia, sustentando que um tal mecanismo de investigação “é contraproducente e susceptível de exacerbar as tensões”.

Para a vice alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Nada Al-Nashif, um “mecanismo internacional seria um complemento importante”, na ausência de “esforços significativos” por parte das autoridades para apurar responsabilidades, e neste contexto, em que as Nações Unidas continuam “a receber relatórios credíveis de violações graves e de abusos dos direitos humanos cometidos por todas as partes” envolvidas no conflito.

"O perigo de um aumento do ódio, da violência e da discriminação é muito elevado, e poderá escalar para uma violência generalizada. Isto poderá ter consequências importantes, não só para milhões de pessoas na Etiópia, mas também em toda a região”, afirmou Al-Nashif.

A guerra eclodiu em 4 de Novembro de 2020, quando o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, enviou o exército federal para Tigré com a missão de retirar pela força as autoridades estaduais da Frente de Libertação do Povo de Tigré (TPLF, na sigla em inglês) que vinham a desafiar a autoridade de Adis Abeba há muitos meses.

O pretexto específico da invasão foi um alegado ataque das forças estaduais a uma base militar federal no Tigré, e a operação foi inicialmente caracterizada por Adis Abeba como uma missão de polícia, que tinha como objectivo restabelecer a ordem constitucional e conduzir perante a justiça os responsáveis pela sua perturbação continuada.

Abiy Ahmed declarou vitória três semanas depois da invasão, quando o exército federal capturou a capital estadual, Mekele. Em Junho deste ano, porém, as forças afectas à TPLF já tinham retomado a maior parte do território do estado do Tigré, e continuaram a ofensiva nos estados vizinhos de Amhara e Afar.

O conflito na Etiópia provocou a morte de vários milhares de pessoas e fez mais de dois milhões de deslocados, deixando ainda centenas de milhares de etíopes em condições de quase fome, de acordo com a ONU.

Uma investigação conjunta do Alto Comissariado das Nações Unidas e da Comissão Etíope dos Direitos Humanos, criada pelo governo etíope, concluiu no início de Novembro último que foram cometidos crimes contra a humanidade por todas as partes envolvidas no conflito, onde participaram o exército da Eritreia, ao lado do exército federal etíope, assim como forças insurgentes do estado da Oromia, ao lado do contingente militar da TPLF.

Em 2 de Novembro último, o Governo etíope declarou o estado de emergência, o que “suscita preocupações significativas em matéria de direitos humanos”, já que levou à detenção de milhares de etíopes, incluindo pessoal da ONU e jornalistas, segundo Al-Nashif.

"Embora algumas das pessoas detidas nas últimas seis semanas tenham sido libertadas, estimamos que entre 5.000 e 7.000 pessoas ainda se encontrem detidas, incluindo nove membros do pessoal da ONU”, acrescentou a responsável da ONU, observando que a maioria das pessoas detidas é de etnia tigré.

A alta funcionária da ONU apelou para que seja permitido o acesso de observadores independentes, incluindo a Comissão Etíope dos Direitos Humanos, a todos os locais de detenção.

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