Natureza à volta da mesa: do bem-estar às alterações climáticas

Parece ser assim cada vez mais óbvio que temos de cuidar de ambos em simultâneo: cuidar da terra, da natureza, mas também cuidar das pessoas, da sua saúde física, mental e espiritual. Mas como achar este equilíbrio?

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Se vamos falar sobre o que se passa connosco e para onde queremos ir como seres humanos é fundamental envolver a natureza na discussão em torno da mesa. Mas para além de a ouvirmos, temos também de escutar o ser humano, auscultar os seus sonhos, desafios e bem-estar.

O discurso da natureza reforça aquilo que já devia ser óbvio: a pressão que nós, como seu elemento, estamos a exercer em todo o sistema é enorme! Mesmo em tempos de pandemia, a contínua e intensiva recolha de recursos naturais não abrandou, estando agora a maioria das nossas compras e satisfação das necessidades à distância de um clique. Os nossos comportamentos têm contribuído para as alterações climáticas e seus impactos, acentuando a necessidade de adaptação e mitigação extremamente rápida por parte dos governos a nível mundial e das populações que sofrem na pele estas consequências.

No entanto, quando ouvimos o ser humano, percebemos que é difícil pedir ao tecido social mais frágil e em maior número da sociedade, refém de panoramas sociais e económicos já por si delicados dentro da mesma, que cuide ou se preocupe com algo que está muitas vezes fisicamente distante dele. O desacoplamento entre o ser humano e os ciclos naturais, especialmente em contextos urbanos, dificulta em muito esta conexão.

A própria pandemia facilitou também o aparecimento ou agravamento de distúrbios do foro mental e o consequente bem-estar dessas pessoas, algo muitas vezes desvalorizado, mas fundamental de abordar. Uma população mentalmente desgastada, com um panorama socioeconómico débil, recheada de desafios à sua própria sobrevivência, distante dos ciclos naturais ou da sua simples presença, pode alimentar um ciclo vicioso que permitirá um agravamento do actual panorama das alterações climáticas e das suas consequências para com o ser humano.

Parece ser assim cada vez mais óbvio que temos de cuidar de ambos em simultâneo: cuidar da terra, da natureza, mas também cuidar das pessoas, da sua saúde física, mental e espiritual. Mas como achar este equilíbrio? Como promover não só isto mas também o sentido de comunidade, o sentido de riqueza imaterial, o sentido de equilíbrio com o que nos rodeia? O interessante é que podemos virar o este aparente ciclo vicioso a favor de ambas as partes – tal como sugere a permacultura, tornar um problema numa oportunidade.

A criação de mais espaços naturais nas cidades, que fomentem a vertente comunitária, é um excelente exemplo disso mesmo, de como criar um ciclo vicioso positivo, um local que cuida e promove o bem-estar pessoal e que ao mesmo tempo capacita as pessoas, fomentando nelas o desejo de concretizar ou apoiar projectos semelhantes.

Estes espaços naturais com forte vertente comunitária estão cada vez mais presentes nas zonas urbanas, tal como podemos observar no movimento das hortas comunitárias, que têm ganho cada vez mais espaço nas várias cidades. No entanto, a imaginação não tem limites, sendo que esta interacção com a natureza pode ainda tomar variadíssimas outras formas: pequenas florestas urbanas, prados de flores, charcos, refúgios para animais, coberturas verdes das paragens de autocarros, entre muitas, muitas outras.

A criação de mais espaços verdes, por mais pequenos que sejam, conta! Especialmente pelas variadíssimas funções que podem oferecer, desde oportunidades de terapia com a natureza, simples passeios, produção de alimento, oportunidades de diálogo e conexão com diferentes pessoas: os chamados “encontros inesperados”, promovendo sinergicamente a biodiversidade e o bem-estar humano. A vertente comunitária, porém, traz os seus desafios — resolução de conflitos, aprender a ser tolerante perante perspectivas diferentes e saber escutar, bem como interagir ou conseguir integrar em vez de segregar elementos destabilizadores, por exemplo. Todos são desafios saudáveis, para quem quer viver numa sociedade justa, igualitária e solidária. São também desafios necessários, especialmente num mundo que parece cada vez mais polarizado.

O aparecimento destes vários projectos pelas cidades leva à criação de redes, que formam meta comunidades, comunidades diversas em interacção que promovem a resiliência destes projectos, empoderando as pessoas, criando cidadãos mais despertos e capazes de liderar a sua vizinhança para a mudança de paradigma social, económico e ambiental.

Existem cada vez mais pessoas e projectos a realizar um trabalho incrível nestas áreas. É preciso promover estas iniciativas, acarinhar e apoiar as existentes. São processos demorados, tal como os ciclos da natureza, e é importante lembrar que é bom que assim seja. Na verdade, num tempo em que tudo corre, é cada vez mais importante saber parar e apreciar o momento!

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