A prescrição versus a confiança na justiça

Os diversos escândalos que assolam o sistema judicial português colocam-nos a todos um grande desafio: repensar o instituto da prescrição, devolvendo ao cidadão a confiança na justiça.

Uma das grandes questões, quando falamos de justiça, para além da sua morosidade e da falta de meios humanos e técnicos na investigação, é a prescrição. Este instituto, previsto no artigo 118.º do Código Penal, permite a extinção do alegado crime e a sua consequente sanção decorridos entre dois a 15 anos.

O tempo da justiça, que não é o tempo dos homens, é cada vez mais mediático e no espaço público é debatida esta questão que se torna incompreensível aos olhos dos cidadãos. Há uma expectativa por parte de toda a sociedade de que o criminoso pague pelo seu crime, e sobre todos intervenientes do sistema judicial recaem os holofotes do tempo.

A confiança dos cidadãos na justiça dependerá não só dos seus agentes, sendo notório que há diversas manobras dilatórias aplicáveis e permitidas para atrasar qualquer processo, mas também de todo um trabalho legislativo por fazer, que deve ir ao encontro do cidadão e à sua legítima expectativa de bom funcionamento do sistema judicial.

Os diversos escândalos que assolam o sistema judicial português colocam-nos a todos um grande desafio: repensar o instituto da prescrição, devolvendo ao cidadão a confiança na justiça.

Os crimes económicos, na gíria intitulados “crimes de colarinho branco”, sendo muitas vezes de difícil investigação pelos métodos cada vez mais tecnológicos utilizados por parte de quem pratica o crime, são aqueles que mais espanto criam na sociedade. A demora na recolha de prova, a complexidade processual que pode incluir o recurso a entidades fora do território nacional, são aspectos que podem possibilitar a prescrição dos ilícitos.

Ora, estará a renúncia a um direito por parte da sociedade, pela via desta prescrição, de acordo com os princípios e o papel fundamental da nossa justiça?

A norma que define o instituto jurídico da prescrição considera a moldura a aplicar ao crime em concreto. Os 15 anos previstos na alínea a) do artigo 118.º do Código Penal, aplicam-se quando “se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for superior a dez anos”. Exemplo será o crime de branqueamento de capitais, punido com pena de prisão até 12 anos. Nada se conseguindo provar, o crime prescreve em 15 anos.

Quando governantes como Mário Lino, António Mendonça, Carlos Costa Pina e Paulo Campos, alegadamente suspeitos, segundo a comunicação social, de terem cometido vários ilícitos na qualidade de altos titulares de cargos ou públicos no caso das parcerias público-privadas (PPP) rodoviárias, não são presentes a juízo porque alguns dos crimes em causa já prescreveram, que poderá o cidadão dizer?

Uma coisa é certa. Só a justiça poderia decidir se estes governantes cometeram ou não os alegados crimes. Fica a pairar no ar sobre todos uma dúvida que nenhum Estado de Direito Democrático deve admitir.

Se também é aqui que a justiça pode falhar, se é isto que a sociedade não pode de forma alguma aceitar, uma nova abordagem da prescrição poderá fazer parte da solução na devolução da confiança a todos os cidadãos.

Para isso é preciso existir por parte do legislador não só uma profunda reflexão sobre a quem mais aproveita o actual regime da prescrição, mas sobretudo vontade política.

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