Garantias do Estado sobem e trazem “riscos significativos” às contas públicas

Tribunal de Contas assinala aumento de 20,5% nas garantias prestadas pelo Estado, o que representa uma inversão da tendência dos últimos anos e um risco acrescido para a sustentabilidade das finanças públicas

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Rui Gaudencio

O aumento de mais de 20% registado nas responsabilidades assumidas pelo Estado com garantias, especialmente por causa da pandemia, representa uma inversão da tendência dos últimos anos e constitui um risco acrescido para a sustentabilidade das contas públicas, alertou esta quarta-feira o Tribunal de Contas.

No parecer à Conta Geral do Estado relativa ao ano de 2020, o Tribunal de Contas faz uma análise às medidas que foram adoptadas pelo Estado para fazer face aos impactos económicos e sanitários da pandemia. É estimado que estas medidas tenham atingido no ano passado um valor equivalente a 5,7% do PIB, um valor que, ainda assim, assinala o tribunal, fica “aquém dos reportados por outros países”. Dos 5,7% do PIB de medidas, 1,4% dizem respeito ao acréscimo de despesa efectiva, 0,7% à perda ou diferimento de receita efectiva e a maior parte, 3,5%, ao acréscimo registado nas garantias concedidas.

De facto, em resposta à pandemia, o Governo apostou na concessão de um volume bastante elevado de garantias para o recurso das empresas a crédito bancário. Em 2020, esse valor ascendeu a 7028 milhões de euros.

Uma vez que as outras garantias, não relativas à pandemia, diminuíram em 3521 milhões de euros, aquilo que aconteceu ao volume total de garantias do Estado em 2020 foi um aumento de 3508 milhões de euros, ou 20,5%, algo que “interrompe a trajectória descendente verificada desde 2016”.

No valor total de 20.628 milhões de euros de garantias públicas, as garantias relacionadas com o combate à pandemia assumem um peso de 34,1% no final de 2020.

O Tribunal de Contas alerta para o risco que este aumento das responsabilidades contingentes assumidas pelo Estado pode representar para a evolução futura das contas públicas. Assinala, por exemplo, que, nas garantias relacionadas com o covid, “o Estado assume a totalidade do risco da garantia, através do Fundo de Contragarantia Mútua (FCGM) e das garantias de terceiro grau, transferindo, assim, para os contribuintes uma parte significativa da eventualidade de incumprimento dos beneficiários”.

O relatório assinala que, “em contraditório, o Ministério das Finanças, reportando-se às contragarantias do FCGM às linhas de crédito COVID (6330 milhões de euros), refere o valor estimado de 326,1 milhões de euros de perdas nos próximos anos”.

Mas, num sinal de que existe preocupação que o valor possa vir a ser mais pesado, o Tribunal de Contas, faz questão de destacar que o acréscimo de 20,5% das responsabilidades contingentes por garantias prestadas pelo Estado “constituem riscos significativos para a sustentabilidade das finanças públicas”.

No parecer agora publicado à Conta Geral do Estado, o Tribunal de Contas repete ainda alguns alertas que tem vindo a fazer ao longo dos últimos anos, como por exemplo o facto de “a inventariação dos bens imóveis do Estado e a sua adequada valorização continuar por concretizar”.

É também reiterada a crítica aos atrasos sucessivos que se verificam na reforma das finanças públicas e, em particular, na implementação da nova lei de enquadramento orçamental. O relatório afirma que, embora as entidades responsáveis por esta reforma mantenham o compromisso “sólido” de a vir a concretizar, “o grau de execução dos projectos é baixo e traduz um ritmo de progressos também aquém do definido”.

Por exemplo, das 2314 contas de organismos da Administração Pública remetidas ao Tribunal de Contas, 48%, menos de metade, foram prestadas utilizando o Sistema Nacional de Contas criado especificamente para a Administração Pública, um dos passos mais decisivos da reforma. Assistiu-se, diz o Tribunal, “a um aumento de apenas 4,4% do número de entidades que prestaram contas relativas a 2020 neste referencial”.

O Tribunal assinala que o financiamento de 123 milhões de euros previstos para esta reforma no PRR pode constituir uma ajuda, mas apela a que haja do lado do Governo um “reforço da credibilização deste processo com uma liderança efectiva e um planeamento detalhado”.

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