O Teatrão leva ao palco a família no seu labirinto

Companhia de Coimbra apresenta esta quinta-feira Da Família, uma peça em dois capítulos que parte do livro homónimo de Valério Romão.

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CARLOS GOMES

A morte da mãe, a avó com alzheimer, o pai alcoólico ou as grandes esperanças no filho são pequenos traços de normalidade dolorosa que podem atravessar qualquer família. No livro Da Família (Abysmo 2014), Valério Romão, parte destes traços para levar 11 contos ao absurdo, um pouco à laia de Dino Buzzati, Nikolai Gogol ou de outros autores latino-americanos que exploram o fantástico, como o próprio descreve.

O livro, o terceiro e último de uma sequência a que o escritor chamou “Paternidades Falhadas”, dá agora título à mais recente criação da companhia O Teatrão. Com encenação de Marco Antonio Rodrigues e dramaturgia do próprio Valério Romão, a peça estreia-se esta quinta-feira, na Oficina Municipal do Teatro, em Coimbra, e fica em exibição até 16 de Janeiro.

Da Família é uma peça dividida em dois episódios que “projecta mais angústias e potências” sobre o universo familiar do que oferece respostas ou carrega uma mensagem, explica Marco Antonio Rodrigues. Os cinco textos que lhe servem de base partem de um ponto de alguma “perplexidade e confusão”, diz Valério Romão, que passou pelo labor de traduzir os contos com pouco ou nenhum diálogo para texto teatral. “Se me parece óbvio que estamos numa altura de mudanças [na estrutura familiar] em todos os sentidos, não temos qualquer noção de qual será o resultado final. Isso desperta-me alguma curiosidade, tenho algumas perguntas e caracterizações”, acrescenta.

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Para contar a história deste encontro entre companhia, encenador e escritor, Marco Antonio Rodrigues fala de uma sequência de coincidências. O primeiro contacto que teve com os textos de Valério Romão foi através do primeiro número da revista Granta Portugal, que continha nele o conto “À medida que fomos recuperando a mãe”, descreve. “Achei a escrita dele muito potente, muito real e ao mesmo tempo poética e fantástica”. Quis trabalhar com Valério Romão, mas não chegou a acontecer.

No entanto, o encenador que agora regressa a Coimbra depois de Três Irmãs (2015), de Richard’s (2019) e Ala de Criados (2019), lembra que, nos últimos anos, O Teatrão tem trabalhado a casa como eixo temático e que os textos de Da Família acabavam por se encaixar nessa sequência. Ao longo do processo, encenador e actores peneiraram os 11 contos do livro até ficarem com cinco.

Depois há a questão do arquétipo da estrutura família tradicional, prossegue Marco Antonio Rodrigues, um desenho em mudança e desafiado “por um modelo neo-liberal em que parece que o futuro foi cortado: já chegou e, assim, os sonhos ficam diminuídos”.

“São vários assuntos que estão no mesmo edifício. O cenário funciona como casinhas e é como se o público estivesse olhando cada casa”, descreve. Depois, as relações entre os apartamentos são costuradas com a música de Victor Torpedo (Tédio Boys, The Parkinsons) e com a cenografia de Filipa Malva, explica Marco Antonio Rodrigues, mas também com recurso a um coro de narradores que conduz a história.

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O primeiro episódio, que reúne três contos (“Quando se pôs o meu irmão fora de casa”, “À medida que fomos recuperando a mãe” e “Quando o pai começou a meter ar”), sobe ao palco às terças, quintas e sábados. O segundo, que contém outros dois contos (“O abysmo também olha longamente para ti” e “A Avó foi sendo esquecida”), é apresentado às quartas, sextas e domingos.

Da Família vai além do palco. Até 17 de Dezembro, O Teatrão organiza uma programação paralela que inclui um ciclo de conversas que se debruçam sobre os temas presentes nos contos seleccionados de Valério Romão. Haverá também lugar para jantares em que os comensais são famílias de Coimbra. “As únicas regras são: terem três gerações representadas e os mais novos terem idades a partir dos 14 anos”, anuncia a companhia. O ciclo de conversas resulta de uma parceria com o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e envolve investigadores, sociólogos, mas também figuras como o psiquiatra José Gameiro, o jornalista António Marujo, o realizador e curador Tiago Pereira (Música Portuguesa a Gostar Dela Própria), ou o director do Centro Social Paroquial de S. Jorge de Arroios, Pedro Raul Cardoso.

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