Ucrânia: o valor da solidariedade internacional face às ameaças

O mundo não precisa de mais guerras e todos os estados devem aprender a coexistir. Os ucranianos devem ter o nosso apoio e a força política dos EUA, da UE e da Ucrânia vi superar este momento de crise.

Sempre aprendi que Portugal é um país amigo de todos os povos do mundo. Mas nós, portugueses, não somos indiferentes ao que se passa no mundo, para mais, o que se passa na Europa, mesmo fora das fronteiras da União Europeia, diz-nos particular respeito na esfera da geopolítica em que nos inserimos.

Na fronteira leste da União Europeia, mesmo às portas desta construção política comunitária de paz, cidadania comum e prosperidade entre Estados e povos – decerto um dos maiores feitos na História do continente europeu -, a guerra faz parte do quotidiano de um país desde 2014. Esse país é a Ucrânia. Em fevereiro de 2014 parte maioritária do povo ucraniano, após meses de protesto na praça Maidan, consolidou uma revolução política em nome de uma melhor e mais exigente democracia, maior integração europeia e do fortalecimento de uma identidade coletiva nacional de base pró-ocidental, que levou à fuga e renúncia do presidente Yanukovytch. A força deste processo revolucionário foi o crescimento consequente de massas progressistas do povo ucraniano, que relegaram identidades pró-russas, para fomentar livremente a construção da sua própria identidade nacional.

A resposta à liberdade política da Ucrânia não tardou: de imediato ocupada e anexada a província ucraniana da Crimeia pela Federação Russa num ato que constituiu uma flagrante violação do direito internacional, o conflito alastrou frentes e prosseguiu no leste do país, na região de Donbass, onde se mantém sublevados através de população separatista e de identidade russófona, apoiada pela Rússia, dois núcleos territoriais relevantes.

E independentemente da relevância dos cessar-fogos, não há meses, de 2014 até hoje, sem baixas civis ou, mais frequentemente militares. O soldado de 22 anos Valeriy Herovkin foi o primeiro morto ucraniano neste mês de dezembro de 2021. Mas desde 2014 as baixas de todo o conflito entre ucranianos, russos e os seus aliados separatistas, totalizam mais de 13 mil mortos, entre os quais mais de três mil civis, cerca de 30 mil feridos e um gigantesco número de bem mais de um milhão de deslocados e refugiados.

Para além da guerra híbrida que se arrasta no terreno, sabemos que na Rússia têm sido propagadas para consumo das populações, já de longe, mensagens políticas em extremo agressivas, que chegam a pôr em causa, em termos crus e explícitos, a existência da soberania e da integridade territorial ucraniana enquanto nação e estado independente. Veja-se aliás o que tem afirmado o Presidente da Bielorrússia, aliado indefetível da Federação Russa, sobre o povo e o estado ucraniano, que alinha pelo mesmo tom destrutivo e inaceitável.

Desde novembro até agora estamos a assistir a uma nova fase de um processo de empoderamento militar russo junto às fronteiras com a Ucrânia, que envolvendo quase 100 mil militares e meios bélicos robustos, tal como nos primeiros meses de 2021, afirma-se indiscutivelmente como uma ameaça à soberania da Ucrânia. A Federação Russa primeiro alega ser este não mais do que um contingente para exercícios militares. Mas com a opinião pública internacional a perspetivar com desconfiança essa alegação e com a NATO, os Estados Unidos, o Reino Unido e alguns Estados da União Europeia a reagir preventivamente à hipótese de se tratar de forças dispostas para qualquer plano ofensivo contra a soberania da Ucrânia, o Presidente russo já expõe condicionalismos inaceitáveis para o povo ucraniano, nomeadamente na limitação ou proibição de qualquer futura adesão da Ucrânia à NATO ou até mesmo à UE. Moscovo revela que não recuperou da perda de influência ou de tutela que foi conseguindo estender à Ucrânia até à revolução de 2014 e ao surgimento de uma reforçada identidade nacional ucraniana.

A Ucrânia tem de ter o direito de escolher o seu próprio destino e futuro. Essa é a base de qualquer democracia, sustentada por uma verdadeira soberania nacional e não pode ser algo sujeito a quaisquer negociações. A Ucrânia não é uma ameaça para a Federação Russa. Aliás, como não o é a União Europeia – como fica escrito, o maior e mais ambicioso projeto de prolongamento da paz europeia e mundial no pós-II Guerra Mundial -, e até mesmo a NATO – uma aliança defensiva, e não ofensiva por definição, clara, no tratado fundador.

É necessário fazer regredir qualquer escalada neste conflito híbrido e convencer a Federação Russa de que é essa a decisão racional de quem não quer ficar isolado internacionalmente, à mercê de fortíssimas sanções. O mundo não precisa de mais guerras e todos os estados devem aprender a coexistir. Dito isto, a Ucrânia e os ucranianos devem ter a nossa solidariedade e apoio nesta situação em que se sentem ameaçados e a força política dos EUA, da União Europeia e da Ucrânia, em conjunto, vai ser eficaz para superar este momento de crise.

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