Ghislaine Maxwell era “tudo o que eu queria ser”, recorda segunda testemunha da acusação

Kate conheceu o casal quando tinha 17 anos e, por isso, o seu caso não está em julgamento. Porém, acredita a acusação, a sua história expõe um padrão de comportamento da socialite britânica.

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O testemunho de Kate abriu a segunda semana do mediático julgamento que deverá durar até Janeiro Reuters/JANE ROSENBERG

Uma segunda testemunha da acusação, que usou o pseudónimo de Kate, acusou Ghislaine Maxwell de a ter preparado para os abusos sexuais que sofreu do falecido financeiro Jeffrey Epstein, quando ainda era menor de idade.

Kate, cujo depoimento abriu a segunda semana do mediático julgamento que deverá durar até Janeiro, recordou o momento em que conheceu Ghislaine Maxwell, numa altura em que tinha acabado de se mudar de França para o Reino Unido e se sentia sozinha e sem amigos, tendo tomado chá em casa da socialite, em Londres, em 1994, quando tinha 17 anos. Na conversa, a mulher ofereceu-se para apresentar o seu namorado à adolescente, garantindo que ele a poderia ajudar na sua vontade de ter uma carreira na música.

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Ghislaine Maxwell abraça o seu advogado Bobbi Sternheim durante o julgamento Reuters/JANE ROSENBERG

“Ela parecia ser tudo o que eu queria ser”, recordou Kate, que tem agora 44 anos. “Saí de lá entusiasmada e como se alguém quisesse ser minha amiga.” Mais tarde, Ghislaine Maxwell convidou Kate para ir a casa de Epstein para dar uma massagem ao seu namorado. Esse foi, relatou a testemunha, o primeiro de muitos encontros sexuais com o antigo financeiro.

Apesar de os procuradores poderem usar o testemunho de Kate para demonstrar um padrão de comportamento, os encontros sexuais entre Epstein e a jovem não estão em julgamento, já que, com 17 anos, Kate já tinha ultrapassado a idade do consentimento na Grã-Bretanha, como a juíza norte-americana Alison Nathan clarificou, instruindo o júri de que quaisquer encontros sexuais que Kate descrevera não constituem “actos sexuais ilegais”.

Entretanto, Kate informou que enveredou pelo caminho da música e da moda, como modelo, tendo mantido contacto com Maxwell e Epstein durante vários anos. “Tinha medo de me afastar porque tinha testemunhado quão bem relacionados ambos eram”, contextualizou a testemunha, que lembrou que Ghislaine lhe disse ser amiga do príncipe britânico André e do empresário norte-americano Donald Trump, que mais tarde viria a assumir a Casa Branca.

Epstein e Maxwell, de namorados a sócios

Ghislaine Maxwell e Jeffrey Epstein envolveram-se romanticamente nos anos 90 do século passado. Mas, embora a socialite britânica tenha ficado associada ao financeiro como uma eterna namorada, a relação dos dois passou de romântica a económica.

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Jeffrey Epstein e Ghislaine Maxwell DR

Ghislaine era funcionária de Epstein e responsável pela gestão dos seus bens pessoais na altura dos encontros com Kate. Para os procuradores, a mulher queria manter Epstein “satisfeito” de forma a ter “o estilo de vida a que estava acostumada”. E dinheiro não faltava: na segunda-feira à tarde, os procuradores exibiram registos bancários que mostram que Epstein transferiu para Maxwell pelo menos mais de 30 milhões de dólares (26,6 milhões de euros) em três transacções, realizadas em 1999, 2002 e 2007.

Em 2007, depois de receber 7,4 milhões de dólares (6,57 milhões de euros) de Epstein, Maxwell transferiu os fundos para uma conta de uma empresa chamada Air Ghislaine Inc., que depois comprou um helicóptero.

Esta terça-feira, espera-se que seja explorada ainda mais a relação entre Ghislaine Maxwell e Jeffrey Epstein, com a acusação a mostrar ao júri fotografias que retratam o envolvimento dos dois, depois de a juíza ter negado um pedido da defesa para proibir o uso das imagens, que agentes do FBI encontraram em discos rígidos apreendidos na casa de Manhattan de Epstein durante uma busca em Julho de 2019.

O conjunto de fotografias digitais inclui também imagens de duas mulheres que acusaram Maxwell de as ter preparado para Epstein quando ainda eram adolescentes. Nalgumas imagens, é possível ver as jovens a despirem-se. Por isso, a juíza concordou com o argumento dos procuradores de que as fotografias eram relevantes para o caso e admitiu como prova a fotografia de uma mulher cujo caso não está incluído na acusação, estando a considerar a possibilidade de admitir uma segunda, que é da testemunha de segunda-feira, Kate, cujos encontros com o financeiro não estão em julgamento. No entanto, a advogada da defesa insiste que os procuradores deveriam ter mostrado a fotografia enquanto Kate estava a depor para lhe dar a oportunidade de a autenticar, já que, argumenta, as imagens podem ter sido adulteradas.

Ghislaine Maxwell, de 59 anos, é acusada de recrutar e aliciar quatro raparigas menores de idade, vítimas de abusos cometidos por Epstein, entre 1994 e 2004, e enfrenta, entre outras, oito acusações de tráfico sexual. A socialite declarou-se inocente. Os seus advogados argumentam que Maxwell está a ser usada como bode expiatório desde a morte de Epstein.

Príncipe André, Bill Clinton e Donald Trump

Na primeira semana de julgamento, os jurados ouviram a primeira queixosa, que usou o pseudónimo Jane, que afirmou que Epstein abusou de si quando tinha 14 anos, em meados dos anos 90, e que Maxwell participou por vezes nesses encontros. Estas declarações foram corroboradas por um antigo funcionário da propriedade de Palm Beach, que disse lembrar-se de Jane, quando a mulher aparentava ter entre 14 e 15 anos.

Nas audiências for ouvido ainda o piloto pessoal de Epstein, que recordou o príncipe britânico André e os ex-presidentes dos EUA Bill Clinton e Donald Trump no avião do ex-financeiro. Já Jane disse que Epstein a apresentou a Trump no clube Mar-a-Lago do antigo presidente quando tinha apenas 14 anos. O príncipe André, Bill Clinton e Donald Trump não foram indiciados por qualquer delito.

Foi ainda levada para a sala da audiência uma mesa de massagem verde que a polícia apreendeu na propriedade de Epstein durante as buscas de 2005, depois de Jane ter testemunhado que muitos dos seus encontros sexuais com Epstein começaram como massagens. Os procuradores dizem que a palavra massagem foi um “ardil” para levar raparigas menores de idade a ficarem sozinhas com Epstein.

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Ghislaine Maxwell enfrenta oito acusações, entre as quais tráfico sexual de menores REUTERS/Jane Rosenberg

Jeffrey Epstein (n.1953, Brooklyn, Nova Iorque), que já tinha sido considerado culpado por crimes de natureza sexual em 2008 e cumprido 13 meses, ainda que com muitas regalias (saía seis dias por semana para trabalhar no gabinete que mandou construir nas proximidades), foi detido a 6 de Julho de 2019. Pouco mais de um mês depois, a 10 de Agosto, foi encontrado morto na cela de uma prisão de segurança máxima em Manhattan, Nova Iorque. O multimilionário apresentava sinais de “suicídio por enforcamento”, causa que viria a ser confirmada pelo relatório oficial da autópsia. Horas antes da morte, tinham sido revelados centenas de documentos com detalhes sobre as acusações de tráfico sexual de menores de que Epstein era alvo desde 2005, nomeadamente nomes sonantes que estariam envolvidos nos seus esquemas.

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