Ex-chanceler austríaco surpreende ao anunciar abandono da política

O dirigente conservador que se tornou chefe do Governo da Áustria aos 31 anos diz que por trás da decisão está o nascimento do filho. Mas o envolvimento num caso de corrupção e a má gestão no combate à pandemia não auguravam a Sebastian Kurz um regresso fácil ao poder.

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Kurz demitiu-se dos cargos que ocupava e anunciou que deixa a política Reuters/LISI NIESNER

O líder conservador austríaco Sebastian Kurz, que em Outubro se demitiu da chefia do Governo por causa da abertura de uma investigação por suspeitas de corrupção, surpreendeu esta quinta-feira os austríacos e o resto dos europeus, anunciando a sua retirada da política para se dedicar à família. Aos 35 anos, Kurz mantinha-se à frente do Partido Popular (ÖVP) e da sua bancada parlamentar e muitos acreditavam que estaria a preparar o regresso ao poder.

Considerado em tempos uma estrela em ascensão na política europeia, Kurz dominou a vida do ÖVP e a política da Áustria desde 2017, quando se tornou líder do partido e depois chanceler, através de uma coligação com o Partido da Liberdade (FPÖ), de extrema-direita. Esta aliança desfez-se em 2019, depois de o chefe do FPÖ ter sido filmado a propor acordos a uma suposta sobrinha de um oligarca russo que envolviam a atribuição de contratos públicos inflacionados. Seguiram-se eleições antecipadas e um acordo inédito com os Verdes.

Foi a enorme pressão dos outros partidos, sobretudo dos Verdes, que terá precipitado o afastamento de Kurz, depois de o seu gabinete e da sede do ÖVP serem alvo de buscas num caso de suspeitas de quebra de confiança, corrupção e suborno (o ex-chanceler é suspeito de auxílio e cumplicidade) em que fundos do Estado terão sido usados para influenciar um jornal a publicar uma sondagem favorável ao chefe do Governo. Esta investigação somava-se a uma anterior, sobre uma suspeita de ter prestado falsas declarações no âmbito de outro caso.

Em sua substituição, à frente do Governo, ficou o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Alexander Schallenberg, um diplomata de carreira sem filiação partidária que o próprio Kurz sugeriu para o lugar. Muitos no ÖVP acreditavam que Schallenberg era apenas um substituto até que Kurz limpasse o seu nome e pudesse regressar – a decisão de Kurz deixa agora um vácuo de poder no partido.

O conservador, que foi o mais jovem chanceler da Áustria (e o mais jovem chefe de Governo do planeta, aos 31 anos), justificou a sua decisão com o facto de ter sido pai há dias e com a sua vontade de se dedicar à família. Voltando a afirmar a sua inocência, descreveu o último mês no poder como um período passado “na defesa contra acusações e processos e já não em competição pelas melhores ideias”.

"Nem santo nem criminoso"

“Enquanto chanceler temos de tomar tantas decisões todos os dias que sabemos à partida que vamos tomar algumas decisões erradas”, afirmou ainda, numa conferência de imprensa. “Estamos sob observação permanente. Temos a sensação de estarmos sempre a ser perseguidos”, lamentou. “Não sou nem um santo nem um criminoso”, acrescentou, numa intervenção longa em que agradeceu pela década que passou no Governo – antes de ser primeiro-ministro, foi secretário de Estado do Interior e ministro dos Negócios Estrangeiros.

Considerando que Kurz passou as últimas semanas a “reafirmar-se politicamente”, o analista Marcus How defende que o seu plano para “deixar o Governo ÖVP-Verdes cair no caos, antes de se apresentar de novo como salvador, em eleições na Primavera” tinha subestimado “a gestão catastrófica do Governo no combate à pandemia em antecipação do Inverno”. Kurz está “indelevelmente associado a este fracasso, tendo aparecido em cartazes do ÖVP durante o Verão a festejar o fim da pandemia”, escreve How, chefe de análise na consultora VE Insight, em Viena.

A Áustria tornou-se o primeiro país da Europa a anunciar planos para tornar a vacina contra a covid-19 obrigatória, depois de ter decretado um confinamento para quem não estava vacinado. Este fracasso e estas contradições não seriam esquecidas pelos eleitores em seis meses, aponta o analista. “Kurz precisa de um verdadeiro intervalo da política para que, se escolher regressar, possa reinventar-se de forma credível”, nota.

Ao mesmo tempo, as duas investigações criminais em que Kurz está envolvido podem arrastar-se durante anos, escreve How, admitindo que o ÖVP possa ter sabido antecipadamente de “novas alegações explosivas”, numa altura que a Procuradoria ouve testemunhas chave no caso de corrupção.

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