A necessidade de melhoria contínua na gestão da covid-19

A crescente vaga de infecções SARS-CoV-2 vai exigir bastante dos profissionais de saúde, que cumpriram de forma estóica e exemplar e que, sendo apenas humanos, se encontram no limiar das suas forças e do seu bem-estar físico e psicológico.

Portugal vacinou contra a covid-19, com grande sucesso, grande parte da sua população. A ciência, essa entidade abstracta, salvou-nos com as vacinas e os militares puseram a casa em ordem, quando assim foi necessário. Estamos bem. Correu bem. Tudo está bem quando acaba bem. Esta é uma narrativa muito perigosa e creio que ninguém se identificará com ela. O risco não reside apenas na desvalorização do perigo da covid-19, mas também em não fazermos da melhoria contínua uma prioridade em saúde passados quase dois anos de pandemia. 

Dados de vários países demonstram que a correlação entre os níveis de vacinação e as taxas de mortalidade e de doença grave é clara – quem está vacinado contra a covid-19 está mais protegido. No entanto, não se trata de vacinação com efectividade vitalícia. Tal como na gripe, será necessário vacinar periodicamente. A eficácia da vacinação contra a covid-19, em contexto de vida real após seis meses, não sendo ainda totalmente clara, sugere a necessidade de se voltar a vacinar mais cedo do que se poderia supor. O impacto e os desafios que a covid-19 continuará a lançar na sociedade e no SNS não podem ser desconsiderados.

Os meses de Janeiro são, ano após ano, encarados pelos profissionais de saúde nas urgências, internamentos e cuidados intensivos com grande apreensão pela insuficiência de recursos face à sobrecarga de doenças infecciosas respiratórias em Portugal. A crescente vaga de infecções SARS-CoV-2 vai exigir bastante dos profissionais de saúde em geral e das estruturas hospitalares e de saúde pública em particular nas próximas semanas. Profissionais que cumpriram no terreno de forma estóica e exemplar e que, sendo apenas humanos, se encontram no limiar das suas forças e do seu bem-estar físico e psicológico. Acresce a este limite o impacto que a necessidade de cuidados, cada vez mais inadiáveis, com doentes não-covid terá no SNS. 

Torna-se essencial identificar e analisar o que correu menos bem até agora e de daqui fazer derivar um conjunto de aprendizagens e de melhorias a implementar, monitorizar e avaliar. Se não o fizermos, colheremos muito em breve os custos negativos desse tremendo lapso. Aprendizagem e melhoria contínua são processos de trabalho essenciais em saúde.

Podemos assistir à saturação e ruptura de serviços cuja causa principal não será a pressão de uma vaga pandémica gigantesca (uma vez que esta estará previsivelmente numa trajectória de controlo epidemiológico), mas pela pressão a que todo o sistema tem sido sujeito há demasiado tempo sem que nada, ou quase nada, tenha sido feito para aliviar essa pressão.

O que a DGS fez durante a pandemia em termos de comunicação de risco e envolvimento da população com os recursos que (não) tem é de louvar. A insuficiência de recursos atribuída à missão de salvar vidas e de proteger as pessoas contra ameaças à sua saúde, nomeadamente, através da geração de directrizes de actuação, baseadas em sínteses de evidência científica, do fornecimento de informações de saúde e da comunicação de risco que orientem comportamentos e envolvam a população na sua protecção é notória. Precisamos de um modelo de apoio à decisão em saúde bem mais robusto do que as chamadas reuniões do Infarmed.

Os dados sobre o burnout a que os profissionais de saúde estão sujeitos em Portugal apontavam antes da pandemia para problemas críticos no SNS. É sabido que o burnout impacta no desempenho dos profissionais de saúde, aumenta o absentismo e o erro médico, assim como a desumanização da prestação de cuidados de saúde. O reconhecimento que os profissionais de saúde merecem traduz-se, primeiramente, no reforço de recursos e de ferramentas de trabalho para desempenharem a sua função com dignidade. O seu bem-estar psicossocial deveria ser uma prioridade. Era altura de dedicarmos mais atenção e cuidado a quem cuida, e bem, da nossa saúde.

A pandemia de SARS-CoV-2 trouxe-nos grandes desafios e a forma como a enfrentamos revelou pontos fortes na sociedade portuguesa, mas também pontos de necessidade absoluta de inadiável melhoria.

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