Carta aberta à esquerda da esquerda

Se o PS ganha sem maioria absoluta, só lhe resta um acordo com o PSD no OE, baseado nos mesmo quatro pontos de que faz depender uma “geringonça” 2.0: redução do défice e da dívida; reforço do factor de sustentabilidade da segurança social; aumento dos salários; descida dos impostos para empresas.

Senhores deputados Catarina Martins e Jerónimo de Sousa,

Os portugueses sabem uma coisa simples - vamos para eleições porque os vossos partidos chumbaram o Orçamento mais à esquerda de todos quantos foram aprovados desde 2016. Era um desfecho óbvio, o Presidente da República já o tinha anunciado previamente.

Na sequência dessa vossa decisão, que o eleitorado não compreende, o Bloco de Esquerda encontrou dois argumentos para esbofetear o PS: o pecado original estava no facto de não ter havido um acordo de legislatura em 2019; e que António Costa ambiciona uma maioria absoluta e este seria o momento certo para a conseguir.

O PCP alinha pelo mesmo diapasão. Costa é um salafrário que almeja a perigosa maioria absoluta que porá em causa a Constituição e as conquistas dos trabalhadores.

Olhemos para cada um destes argumentos. Em 2019 o PCP negou liminarmente qualquer acordo escrito. A ter havido um texto conjunto com o BE deixaríamos de seguir um caminho a três para optarmos por uma coligação (primeiro parlamentar e depois governativa) com o aglomerado que nasceu da UDP e do PSR. Não seria justo nem vantajoso. Em boa verdade, o PCP sempre foi mais previsível, mais institucional e mais útil à democracia e, por isso, nunca poderia ficar de fora.

A prova de que o PCP merecia mais crédito, mesmo sem papel escrito, é o facto de ter ido além do seu habitual niet ["não”, em russo] orçamental e ter validado as contas para 2021 quando o BE borregou sem que os portugueses entendessem a razão.

Quanto à maioria absoluta que Costa quer muito, basta seguir o roteiro das negociações - o BE obteve quase tudo o que era de natureza orçamental; o PCP só não teve o que queria no salário mínimo. O senhor deputado Jerónimo de Sousa sabe bem que o país, depois de uma crise sanitária somada a uma crise económica, não poderia criar uma imensa onda de falências.

O que aconteceu foi, portanto, uma escalada de tontices entre os dois partidos portugueses do Left europeu, uma marcação cerrada que levou à falta de juízo.

Senhora deputada e senhor deputado,

A questão que agora se põe é a seguinte - é possível uma “geringonça” 2.0?

A nossa resposta pode ser positiva, mas tem um custo que assenta em quatro balizas: redução do défice e da dívida com finanças públicas saudáveis; manutenção e reforço do fator de sustentabilidade da segurança social; acordo estratégico para o incremento do salário médio; descida de impostos para as empresas.

Vão dizer-nos que estas linhas não são de esquerda. A nossa resposta é curta - ser de esquerda não é continuar a fazer crescer os rendimentos à custa de um esforço insustentável do OE.

A senhora e o senhor deputados devem responder a este desafio, clarificar as suas posições. Se refutarem este caminho estarão a negar a existência de uma verdadeira política patriótica e de esquerda.

Senhora e senhor deputados,

V. Exas. dirão que os portugueses quererão conhecer, perante estas linhas vermelhas, o que fará o PS, se não houver condições para um novo caminho à esquerda com uma resposta positiva da vossa parte.

A resposta tem dois tempos. O primeiro é a clareza com que se deve pedir uma maioria absoluta - a vossa esquerda da esquerda opõe-se a uma governação responsável e os vossos eleitores, somados aos socialistas moderados e aos votantes do centro, devem dar ao PS as condições para que se impeça o regresso às políticas austeritárias sem se entrar em loucuras despesistas. O segundo é também claro. Se a esquerda da esquerda nega a governabilidade com discernimento e o PS ganhando, mas não tendo maioria absoluta, só resta um acordo orçamental com o PSD também baseado nos quatro pontos que acima referimos.

Este último cenário é bom? Não se pode antecipar o resultado, mas é o possível perante as portas fechadas dos que connosco caminharam nos últimos os seis anos.

Também poderão V. Exas. perguntar o que fará o PS se o PSD for o partido mais votado e precisar dos neofascistas para uma maioria. Nessa altura o PS fará o que sempre fez, defender a democracia liberal em que temos vivido e proteger a Constituição.

Senhora e senhor deputados,

Se V. Exas. olharem bem o interesse nacional antecipam que é fundamental que cada português se pergunte se não estamos em tempo de ter um Governo forte para quatro anos. Adivinharão que a resposta seja simples - nunca uma maioria absoluta importou tanto e só o PS está em condições de a conseguir no espaço do centro e da esquerda.

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