Um novo olhar para a presença portuguesa no mundo

A emigração portuguesa tem hoje outros contornos e diversidade que é preciso levar em consideração quando se pensa no que se pode fazer para reforçar os laços com os residentes no estrangeiro e os lusodescendentes.

A emigração portuguesa é uma realidade incontornável da história de Portugal e da nossa identidade coletiva, e de uma maneira muito mais estrutural do que à primeira vista se possa pensar. São sucessivas gerações de portugueses que conheceram a emigração em diferentes formas, dispersando-se pelo mundo ao longo de séculos e deixando a sua marca. Esta presença é uma realidade demasiado vasta para a capacidade que o país tem tido para chegar até ela e aproveitar plenamente o seu imenso potencial, no qual o afeto e o apego às origens têm um papel muito relevante.

Hoje, os órgãos de soberania, as instituições, as câmaras municipais têm uma noção muito mais clara e com menos preconceitos da importância desta realidade. O discurso oficial sobre a emigração está mais próximo de ter uma consequência a nível das ações e medidas e está a atingir um grau de maturidade que permite que se dê o desejado salto qualitativo. O envolvimento dos residentes no estrangeiro nos destinos do país é muito maior e a proximidade aumentou enormemente em virtude da facilidade da comunicação e da mobilidade.

A emigração portuguesa tem hoje, por isso, outros contornos, outra complexidade e diversidade que é preciso levar em consideração quando se pensa no que se pode fazer para reforçar os laços com os residentes no estrangeiro e os lusodescendentes. Hoje, quando se fala da presença portuguesa no mundo, percebe-se claramente que a noção de “emigrante” está desadaptada à sua realidade, em que, claramente, a emigração com o sentido dramático dos anos 60 e 70 vai deixando de fazer parte da perceção da sociedade.

Os próprios canais de televisão estão mais abertos e já emitem em horário nobre programas relacionados com a vida dos portugueses que vivem fora do país. Depois de décadas de alheamento, hoje existem programas como Portugueses pelo Mundo e A Hora dos Portugueses, na RTP, ou Os Descobridores, na SIC, que dão bem conta desta nova realidade. Uma realidade que mudou muito também com o desenvolvimento do país e com a internacionalização das empresas, que competem no mercado internacional, com muitos trabalhadores especializados e qualificados a instalarem-se noutros destinos.

Além disso, percebe-se muito melhor o enorme trunfo diplomático, económico, cultural, político ou linguístico que representa a presença portuguesa no mundo. Muitos daqueles que vêm regulamente a Portugal e a quem chamam “emigrantes”, na realidade, não o são. Nasceram nos países para onde os seus pais emigraram e podem ter ou não a nacionalidade portuguesa e até ter mais do que dois passaportes. Hoje, milhares de portugueses com qualificações superiores estão discretamente espalhados por empresas, laboratórios ou centros de investigação ou desempenham profissões especializadas, para grande prestígio do nosso país. Os próprios portugueses que emigraram nos anos 60 e 70 fizeram um percurso notável de afirmação e adaptação aos países de acolhimento e conseguiram um estatuto económico e social que provavelmente nunca teriam alcançado se tivessem ficado no país.

É impossível pensar nos tempos atuais na presença portuguesa no mundo sem lhe agregar os conceitos de mobilidade, rede ou diáspora, sinal de uma evolução que é preciso levar em conta, sendo para isso necessário o país libertar-se da noção de “emigrante” para poder desenhar as políticas públicas que lhes são dirigidas, para todos, independentemente das suas qualificações e setores de atividade, dando assim o salto conceptual para criar os instrumentos que valorizem devidamente um fenómeno que nunca na nossa história deveria ter sido estigmatizado ou desvalorizado.

Mas a mudança está aí. Nota-se claramente que vivemos uma fase de transição na forma como Portugal, as suas instituições e os portugueses olham para a presença portuguesa no mundo. É preciso, por isso, ir mais longe, porque o caminho a percorrer ainda é longo.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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