A estratégia do triângulo

O vice-almirante Gouveia e Melo descreveu, com clareza, os três ingredientes principais usados na missão da vacinação.

Vale a pena escutar o vice-almirante Gouveia e Melo falar da receita para o sucesso da primeira fase do processo de vacinação português contra a infeção por covid-19. O vice-almirante descreve, com clareza, um triângulo com três ingredientes principais usados para conduzir a tarefa: liderança, organização e comunicação. Num processo complexo e incerto, como este de vacinar toda a população, falhar qualquer um destes ingredientes significa colocar em risco os resultados da “missão”.

Ideias claras e liderança consentida

Quando chegou ao comando da task-force, o vice-almirante preocupou-se em deixar claro qual era o norte da missão. Nomeadamente a preponderância da eficácia (vacinar rapidamente a população de forma justa) sobre a eficiência (reduzir os recursos utilizados no processo de vacinação). Simultaneamente, o vice-almirante compreendeu que para a eficácia da missão era fundamental o envolvimento das mais variadas organizações, como a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Enfermeiros, ou as autarquias. Esse envolvimento passou por fazer compreender a todos as interdependências do processo e a importância de uma atuação sincronizada, sob pena de contaminar os outros dois ingredientes: organização e comunicação.

Logística centralizada e organização padronizada

O primeiro passo para o sucesso da organização do processo de vacinação foi reconhecer que esta campanha era muito diferente da que acontece anualmente com a vacinação contra a gripe. A quantidade massiva de vacinas a administrar, na maior parte, com duas doses e as exigências logísticas, nomeadamente, de conservação a temperaturas muito baixas fez com que o modelo adotado fosse mais centralizado e apoiado na análise continua de dados. Dito de outra forma, em vez de utilizar os centros de saúde para administrar as vacinas, a organização deste processo resultou por se condensar em poucas centenas de centros todos o processo. Estes centros conseguiram contrariar as perdas de vacinas ao longo da cadeia logística ao terem uma organização padronizada e controlada com indicadores rigorosos.

Disponibilidade e simplicidade na comunicação

Dos três ingredientes, aquele que o vice-almirante escolhe como o mais relevante é o da comunicação. Essa comunicação, que começou com um fato camuflado, foi fundamental para conquistar terreno aos cidadãos mais indecisos e assentou numa retórica de guerra que deixava preto no branco de que lado os portuguese queriam estar. No lado da imunidade por via da vacinação, que é, obviamente, mais lógica do que o lado da imunidade por infeção, que acarreta “custos” para os indivíduos, famílias e sociedade muito mais elevados. A escolha era clara. Para a eficácia da mensagem foi também necessário alinhar todos os participantes no processo e garantir uma disponibilidade total para qualquer esclarecimento. Assim, não se deixou espaço mediático para mensagens que poderiam ser contraditórias.

Para além da organização do discurso do vice-almirante, o que mais impressiona a quem o escuta são as justificações estratégicas de cada uma das ações que foram tomadas e a importância dada ao planeamento e seguimento de indicadores na tomada de decisão. Estas duas componentes do pensamento do vice-almirante, estratégia e dados, deveriam permear a fundo tanto as instituições públicas com as empresas. O tipo de pensamento estratégico desenvolvido por um submarinista para encontrar a melhor forma de atingir o alvo é uma lição para as nossas organizações. O mesmo se passa com o seguimento dos números e indicadores que concretizam as discussões, por vezes etéreas, que se arrastam de forma inconsequente.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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