General dos Emirados Árabes Unidos acusado de tortura é o novo presidente da Interpol

Eleição de Raisi, que já integrava o comité executivo da polícia mundial, é mais um golpe na imagem da organização. Outra decisão polémica foi a escolha do chinês Hu Binchen para o comité executivo.

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O novo presidente da Interpol é alvo de denúncias de tortura em cinco países Reuters

O cargo de presidente da Organização Internacional de Polícia Criminal, conhecida como Interpol, é largamente cerimonial, mas o seu ocupante é mais do que um dos rostos do organismo que promove a colaboração entre polícias de 194 países. A partir desta quinta-feira, o presidente da Interpol chama-se Ahmed Naser Al-Raisi, é inspector-geral do Ministério do Interior dos Emirados Árabes Unidos e alvo de várias acusações de tortura.

“A eleição do general Raisi minaria a missão e a reputação da Interpol e afectaria gravemente a capacidade de a organização realizar a sua missão de forma eficiente”, escreveram membros do Parlamento Europeu numa carta enviada este mês à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Vários deputados franceses tinham pedido ao Presidente, Emmanuel Macron, que tentasse impedir a sua eleição, enquanto parlamentares alemães afirmavam que a sua escolha contrariaria a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Raisi foi eleito esta quinta-feira, numa assembleia geral da Interpol realizada em Istambul; recebeu 68,9% dos votos dos países-membros.

Outra decisão polémica tomada na cidade turca foi a eleição de Hu Binchen, alto funcionário da segurança pública na China, para o comité executivo de 13 membros a que Raisi presidirá – numa carta escrita por 50 legisladores de 20 países (que integram a Aliança Interparlamentar sobre a China), alertava-se que essa eleição “poria dezenas de milhares de dissidentes de Hong Kong, uigures, tibetanos, taiwaneses e chineses que vivem no exterior em risco ainda maior”.

A gestão do quotidiano da Interpol está a cargo do secretário-geral, o alemão Jürgen Stock, cabendo ao presidente garantir que as actividades da polícia mundial respeitam as decisões da assembleia geral e do comité executivo. Este, por sua vez, supervisiona a execução das decisões da assembleia e o trabalho do secretário-geral, definindo ainda a política da organização.

Raisi estará envolvido em diferentes casos de tortura de presos políticos nos Emirados, incluindo do dissidente Ahmed Mansoor, condenado em 2018 a dez anos de prisão por “prejudicar a reputação do Estado”, e do académico britânico Michael Hedges, condenado a prisão perpétua por espionagem, mas, entretanto, perdoado. O general é alvo de denúncias de tortura em pelo menos cinco países, incluindo França, país sede da Interpol (Lyon) e Turquia.

A imprensa francesa foi especialmente assertiva nas críticas. O jornal Le Monde e o diário Libération chamam-lhe “torcionário” e o segundo escreve que a presidência da Interpol se tornou um “novo troféu para ditadores”. Num editorial publicado no Le Monde antes da eleição (“Evitar o naufrágio da Interpol”), o Le Monde recorda que a plataforma da Interpol é “subfinanciada”, tem um “funcionamento opaco” e os resultados das suas investigações são “inconclusivos”: “Como se isso não bastasse, tem sido cada vez mais sequestrada por regimes autoritários para perseguir os seus opositores políticos.”

Muitos têm relacionado a eleição de Raisi com uma doação de 50 milhões de euros feita em 2017 pelos Emirados Árabes Unidos à Fundação para Um Mundo mais Seguro, da Interpol, uma organização não lucrativa em Genebra que um relatório recente do juiz britânico David Calvert-Smith descreve como “um canal para o Governo dos Emirados Árabes Unidos canalizarem dinheiro para a Interpol”.

O subfinanciamento crónico da Interpol tem facilitado a sua manipulação por alguns regimes: tanto os Emirados como a China são dos países que mais tentam utilizar a seu favor o sistema de “avisos vermelhos” – pedidos feitos à polícia em todo o mundo para localizar e prender provisoriamente fugitivos. Para o jornal Le Monde, a eleição de Raisi, “oficial da polícia de um país conhecido pela falta de democracia e direitos humanos, processado por actos de tortura”, para a organização que “gere a base de dados de pessoas procuradas e que deve fazer respeitar o direito internacional”, é nada menos do que uma “catástrofe”.

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