A gratidão é dos melhores sentimentos do mundo

Não sei se alguns de nós têm genes que tornam a gratidão mais fácil, mas prefiro acreditar que nasce e se reproduz em casa, a partir do exemplo (automático) de quem nos rodeia.

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"Já há alguns anos que vos peço a todos que escrevam aquilo porque estão gratos em cartões que penduramos na árvore de Natal" @designer.sandraf

Querida Ana,

Hoje é Dia de Acção de Graças nos EUA. Não faz parte das tradições portuguesas, mas devíamos importá-la, porque é bem mais extraordinária do que as Black Fridays, o Halloween e mesmo o Dia dos Namorados.

Quando somos capazes de nos sentirmos gratos pelas coisas pequeninas do dia-a-dia temos uma constante fonte de felicidade — é como aquelas lanternas a que se dá corda e que, por isso, nunca ficam sem pilhas.

Tenho tanta sorte. Mal abro os olhos de manhã sinto-me abençoada pelo tecto que me cobre a cabeça, pela pessoa que dorme ao meu lado, por vos ter a todos senão ali enfiados na minha cama, como dantes, pelo menos à distância de um telefonema ou de uma mensagem.

Agradeço a almofada — adoro almofadas — e a luz que entra pelas frinchas da janela, e se ainda está escuro, fico infinitamente grata porque posso voltar a adormecer.

Sinto-me grata por ter nascido neste país, e não noutro qualquer, e quando me despeço do meu edredom quente, com a promessa de voltar em breve, penso naqueles pobres refugiados, homens, mulheres e crianças que gelam e desesperam na esperança de que alguém lhes abre a porta e os deixem entrar — explica-me porque é que todos nos chocamos, e bem, por exemplo com o que aconteceu aos judeus durante a Segunda Guerra e aceitamos tão placidamente o destino desta pobre gente? Porque agradecer o que temos exponencia necessariamente o nosso sentido de responsabilidade para com os que têm menos do que nós.

Não sei se alguns de nós têm genes que tornam a gratidão mais fácil, mas prefiro acreditar que nasce e se reproduz em casa, a partir do exemplo (automático) de quem nos rodeia. Mas então, se assim é, mais uma razão para celebrarmos um dia como este — já há alguns anos que vos peço a todos que escrevam aquilo porque estão gratos em cartões que penduramos na árvore de Natal, lembras-te? Os mais pequeninos já perguntaram quando os vamos fazer — o próximo domingo dá-te jeito?


Querida Mãe,

Lá estaremos. Tem toda a razão, a gratidão é dos melhores sentimentos do mundo. Desde que seja genuína e não aquela versão forçada, estilo Pollyanna — “Estou grata por me doer o pé, porque pelo menos tenho pé!”

Mãe, é preciso cuidado para que a gratidão não se torne numa prisão onde as emoções negativas nos tornam ingratos!

Dito isto, sabe por que me tenho sentido agradecida ultimamente?

Por já não ter 20 anos.

Por já me conhecer o suficientemente bem para perceber que tenho de deixar o carro no mesmo sítio do parque de estacionamento, se o quero voltar a encontrar.

De aceitar que não gosto de saltos altos e que não preciso de os usar.

De já ter a certeza de que os meus erros vão ser esquecidos e que não são irremediáveis.

Que não faz mal ter dúvidas, nem perguntar.

Estou grata por saber que as bebedeiras não compensam as ressacas e que as boas amigas não precisam de dramas.

De saber que posso ser contraditória: envergonhada e adorar palco, assertiva, mas que foge aos conflitos.

Grata por não achar que todos estão certos menos eu (pelo menos na maior parte dos dias).

Agradecida por já saber que os ataques de pânico passam. Que a dor se transforma. Que as coisas que valem mesmo a pena não são difíceis, ainda que possam dar trabalho.

E por estas birras!

Happy Thanksgiving day, mummy!


No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.

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