Tribunal mantém condenação de procurador subornado por ex-vice-presidente angolano

Juízes da Relação dizem que magistrado sabotou investigação a Manuel Vicente em troca de 760 mil euros. Apesar de se encontrar suspenso de funções, Orlando Figueira continua a ganhar salário, situação que se deverá manter até esgotar todas as suas hipóteses de recurso na justiça.

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Orlando Figueira tinha recorrido da pena de seis anos e oito meses aplicada no âmbito da Operação Fizz LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

O Tribunal da Relação de Lisboa manteve a condenação a seis anos e oito meses de prisão do procurador Orlando Figueira, por se ter vendido ao ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente.

Em causa está o arquivamento por parte do magistrado, que trabalhava no Departamento Central de Investigação e Acção Penal, de um processo relacionado com a origem dos 3,8 milhões de euros usados por Manuel Vicente na compra de um apartamento de luxo no Estoril.

Como sempre defendeu o Ministério Público, os juízes entenderam que o arquivamento, que data de 2012, foi feito a troco de dinheiro e também de um emprego no sector privado arranjado por Manuel Vicente. Tudo contabilizado, terá recebido 760 mil euros.

O dinheiro foi depositado em contas bancárias do magistrado, uma das quais em Andorra. Orlando Figueira alegou que num dos casos se tratava de um empréstimo bancário que tinha pedido por se estar a divorciar, por causa das partilhas, e que só recebeu verbas via offshore para que o Banco Privado Atlântico, que o contratara entretanto como consultor jurídico, poder fugir aos impostos.

Mas foi mesmo assim condenado por corrupção, branqueamento de capitais, violação do segredo de justiça e falsificação. Na decisão agora proferida, os desembargadores da Relação de Lisboa mantêm que o procurador sabotou a investigação que tinha em mãos, e que visava apurar se o dinheiro usado para comprar o apartamento era proveniente de branqueamento de capitais. “É, de facto, evidente que Orlando Figueira não procedeu aos actos e diligências de investigação que se impunham, anulando até parte deles, vindo a beneficiar Manuel Vicente com os arquivamentos, céleres e inusitados, dos processos de inquérito que os visavam, completamente alheado dos seus deveres funcionais, que expressa e reiteradamente violou, o que fez a troco das contrapartidas, pecuniárias e não pecuniárias”, descrevem.

A urgência que tinha em arquivar as suspeitas relacionadas com o ex-governante angolano “levou-o a proceder de forma inexplicável, em total atropelo da investigação por que era responsável”, acrescentam, sublinhando que nunca poderia ter reduzido este inquérito à mera avaliação da capacidade financeira do suspeito e ao facto do Manuel Vicente ter ou não antecedentes criminais no país de origem. Devia ter seguido o rasto do dinheiro usado na transacção imobiliária, em vez de ter "destruído toda a tentativa de investigação”. 

No que respeita à sua contratação como consultor jurídico de um banco angolano, o Tribunal da Relação considera-a fictícia, tendo funcionado apenas para dar uma aparência de legalidade às elevadas somas que lhe foram pagas por Manuel Vicente: “Não se afigura verosímil que um Procurador da República arriscasse sair da magistratura do Ministério Público ao fim de dezenas de anos de exercício de funções para ir trabalhar para uma empresa, em Angola, que nem sequer conhece, assinando um contrato de promessa de trabalho”. 

Quer Orlando Figueira quer os outros dois arguidos do processo, Paulo Blanco e Armindo Pires, acusados pelo Ministério Público de terem sido intermediários do negócio, sempre negaram terem infringido a lei. Armindo Pires foi ilibado há três anos, mas o advogado Paulo Blanco foi condenado a quatro anos e quatro meses de pena suspensa, muito embora não tenha sido proibido de exercer a sua profissão, como queria o Ministério Público. O Tribunal da Relação de Lisboa também manteve a sentença do advogado, alegando o seu papel central de intermediação entre o procurador e o ex-governante angolano. Paulo Blanco representava Manuel Vicente em Portugal a nível legal. 

Insistindo em que nem sequer conhece pessoalmente o antigo governante, numa mensagem publicada esta quarta-feira no Facebook, o advogado lamenta a decisão tomada pelo tribunal de segunda instância: “O acórdão julgou incorrectamente vários pontos essenciais (...), o que conduziu a uma inevitável errada aplicação da lei”. 

Manuel Vicente é que não foi condenado, uma vez que ainda em 2018 o Tribunal da Relação de Lisboa remeteu as suspeitas de pagamento de luvas que sobre ele impendem para Angola, país em que o antigo governante goza de imunidade até 2022, por ter sido vice-presidente da República.

Não é de descartar que Orlando Figueira e Paulo Blanco ainda venham a recorrer para o Tribunal Constitucional da sua condenação. Cientes disso, os desembargadores deixam um aviso: “Não se vislumbra que o acórdão [de primeira instância] padeça de qualquer inconstitucionalidade. Nem das invocadas nem de quaisquer outras”.

Apesar de se encontrar suspenso de funções, o magistrado continua a ganhar salário, situação que se deverá manter até esgotar todas as suas hipóteses de recurso na justiça. 

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