A tecnologia ainda é dominada por homens? “Infelizmente, sim”

Os homens têm, ao nível global, 21% mais probabilidade de estarem online do que as mulheres. Nos países menos desenvolvidos, esta desproporção aumenta para 52%. Para Sónia Jorge, directora da Aliança para uma Internet Acessível, a disparidade de género no acesso ao digital agravou-se durante a pandemia.

Sónia Jorge explica o digital gender gap, o fosso digital que ainda separa os homens das mulheres

Se dúvidas houvesse, um facto que esta pandemia tratou de demonstrar, quando nos vimos obrigados a ficar em casa durante semanas para travar o avanço do novo coronavírus, foi como o acesso à Internet é essencial. Do teletrabalho às teleconsultas, passando pelo ensino à distância, não foi só a possibilidade de prosseguir uma certa normalidade através de um ecrã, mas também as vidas que se salvaram com a restrição da mobilidade

Hoje, sabemos que nem todos puderam beneficiar das vantagens deste acesso da mesma forma. As pessoas mais pobres foram as que mais sofreram com a pandemia e as mulheres foram mais afectadas do que os homens. A pandemia “veio amplificar as diferenças e desigualdades entre os que têm e os que não têm, mas principalmente entre as que têm e as que não têm”, explica Sónia Jorge, a portuguesa que lidera a Aliança para uma Internet Acessível (em inglês, Alliance for Affordable Internet), um programa da Web Foundation, a fundação do “pai” da Internet sir Tim Berners-Lee, que tem como objectivo tornar o acesso à rede um bem público e um direito básico.

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Sónia Jorge, a portuguesa que lidera a Alliance for Affordable Internet DR

“O mesmo tipo de desigualdade que existe noutros sectores económicos e sociais replica-se no sector digital”, prossegue Sónia Jorge, que falou com o P3 na Web Summit. “No sector digital, aquilo que é mais preocupante é que parte dessa desigualdade é mais aguda ao nível do género.” E não se trata apenas do acesso às ferramentas digitais, trata-se também de saber como as utilizar. Há países onde os níveis de acesso são semelhantes entre homens e mulheres, mas uma análise mais detalhada mostra que a qualidade do acesso é mais limitada entre as mulheres.

As razões que explicam esta disparidade são várias: desde a diferença salarial, que torna o acesso à Internet um custo mais pesado para elas, até à pressão social, aponta o relatório Os Custos da Exclusão, da Aliança para uma Internet Acessível, publicado em Outubro. A disparidade de género no acesso à Internet é um problema social e não técnico (não é algo que decorre da tecnologia em si) e, por isso, merece uma “reflexão”, argumenta Sónia Jorge, que não hesita em afirmar que o acesso às ferramentas digitais ainda é visto como algo do domínio dos homens. “Não devia ser, e tenta-se que não seja. Mas, na realidade, na prática, é.”

A diferença é maior nos países menos desenvolvidos – entre os quais se encontram os países de língua portuguesa Moçambique e Brasil , mas também existe dentro da União Europeia (UE) e vai-se acentuando à medida que a exigência tecnológica aumenta. Se no mais simples acesso à Internet, esta desigualdade não é acentuada (78% das mulheres europeias acedem à Internet diariamente, contra 80% dos homens), quando se olha para os números de pessoas empregadas em trabalhos relacionados com Tecnologias da Informação e Comunicação, apenas 21,5% são mulheres (dados da Comissão Europeia relativos a 2018), apesar de as mulheres representarem 52% da população da UE.

Todas estas diferenças acabam por ter um impacto económico considerável, destaca Sónia Jorge. A sua organização estima que o que se perde em conhecimento cultural, social e científico, ao excluir as mulheres, represente milhares de milhões de euros. Um estudo sobre o impacto da exclusão das mulheres do mundo digital em 32 países em desenvolvimento estima uma perda de 126 mil milhões de dólares no PIB apenas durante o ano de 2020.

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