Irresponsabilidades ideológicas

Depois da troika, começámos a caminhar no sentido certo, sendo que em 2019 atingimos o valor relativo mais reduzido da dívida pública da última década (116,6% do PIB). Com a covid-19 passou para 135,2% do PIB e, se tudo correr bem, serão cerca de 120% no final de 2022. Mas a inflação é uma ameaça.

Quando aderimos ao euro, cumpríamos todos os denominados critérios de convergência, sem precisarmos de falsificar as contas como lamentavelmente foi efetuado por um país. A nossa dívida pública encontrava-se claramente abaixo dos 60% do PIB. A partir de 2009 e com mais um governo de José Socrates a dívida pública começou a entrar em perfeito descontrolo, subindo 13 ou 14 pontos percentuais de ano para ano, até que foi necessário pedir ajuda externa.

Depois da troika, começámos a caminhar no sentido certo, sendo que em 2019 atingimos o valor relativo mais reduzido da dívida pública da última década (116,6% do PIB). Tudo levava a crer que, com algum crescimento económico e uma redução real do valor da dívida, principalmente devido ao controlo primário das contas e aos juros historicamente baixos, facilmente chegaríamos abaixo da barreira psicológica dos 100% do PIB. O risco de incumprimento desceria constantemente e o rating voltaria a classificações normais para um país sólido do euro. Estaríamos a corrigir loucos erros do passado recente.

Tudo estaria no bom caminho se não surgisse a pandemia. Com a covid-19 e com a consequente retração económica, bem como com as medidas de apoio à economia e aos cidadãos, em 2020 o valor da dívida pública passou para 135,2% do PIB. Assim, num ano e fruto da pandemia foram quase vinte pontos percentuais de aumento em termos relativos e muitos milhões em termos absolutos.

Com a retoma económica e o fim dos apoios à economia, o valor relativo tem vindo ligeiramente a baixar, fixando-se em agosto nos 128% do PIB e, se tudo correr bem, em cerca de 120% no final de 2022. Isto significa que, não chegam três anos para voltarmos ao valor relativo de 2019.

Facto novo nos últimos meses é o resurgimento da inflação, que se manteve historicamente baixa na zona euro durante muito tempo. Fundamentalmente devido aos custos energéticos e ao colapso das cadeias de abastecimento, que não se ajustam ao necessário, a inflação na zona euro situa-se atualmente em torno dos 4%, o que representa o valor mais elevado desde a criação da zona euro. Pelos mesmos motivos, nos EUA a inflação já ultrapassou os 6,2%. Noutras zonas geográficas está a acontecer o mesmo problema.

Se estas taxas de inflação continuarem ou se agravarem, os bancos centrais vão ter que, mais tarde ou mais cedo, realinhar as suas políticas monetárias, fazendo encarecer o preço do dinheiro para controlar e reduzir a inflação.

Ora, é exatamente aqui que pode começar um problema para o nosso país. As taxas de juro ao subirem e Portugal com uma dívida gigantesca perante credores internacionais, além de ter de pagar mais juros, pode vir a ter dificuldades crescentes em se financiar nos mercados.

Urge uma diminuição rápida, tanto da dívida em termos relativos, como em termos absolutos. Sinais enviados para os mercados, de contas controladas e orçamentos equilibrados, transmitem confiança e dão a estabilidade que precisamos. Embarcar outra vez em loucuras orçamentais, desta vez para satisfazer irresponsabilidades ideológicas das esquerdas, é tudo de que não precisamos.

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