Câmara quer sorteios de renda acessível só para quem mora em Lisboa ou saiu recentemente

“Queremos primeiro fixar população e depois atrair”, argumenta a vereadora da Habitação, apontando a existência de uma “grande desproporção” entre o número de candidatos que habitam em Lisboa e os que moram noutros concelhos. Quem saiu na última década também está abrangido.

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Um dos edifícios de renda acessível que está a ser construído em Entrecampos Rui Gaudencio

Qualquer pessoa interessada em morar em Lisboa que tenha rendimentos considerados médios pode candidatar-se a uma casa do Programa de Renda Acessível (PRA). Não precisa de habitar na cidade, na área metropolitana ou sequer no país – é elegível desde que seja maior de idade e ganhe, no máximo, 35 mil a 45 mil euros anuais (consoante o número de pessoas no agregado).

Essa situação pode estar prestes a mudar. A vereadora da Habitação de Lisboa leva à próxima reunião de câmara uma proposta para que os futuros concursos de renda acessível sejam exclusivos para actuais habitantes da cidade e para quem nela tenha vivido em algum momento dos últimos dez anos.

“Se olharmos para os dados dos últimos dois concursos vemos uma enorme desproporção entre o número de candidaturas e o de casas, mas também entre os candidatos que residiam em Lisboa e os que não residiam”, diz Filipa Roseta ao PÚBLICO.

No 8º sorteio do PRA, realizado em Outubro, houve 5496 candidatos – dos quais 3189 eram já residentes em Lisboa. Ao todo foram atribuídas 128 casas: 72 a moradores da cidade, 56 a habitantes de outros concelhos. No 9º sorteio, de Novembro, registaram-se 1549 candidaturas de residentes (2684 no total) e 19 das 32 casas a concurso foram entregues a actuais moradores.

Para Filipa Roseta, isto não faz sentido. “Queremos primeiro fixar e depois atrair”, afirma a vereadora, explicando que as regras actuais podem criar um efeito perverso de agravar o problema de habitação para quem já mora em Lisboa – levando as pessoas a procurar alternativas fora. “Enquanto a desproporção for tão grande temos de dar prioridade a quem mora em Lisboa”, argumenta.

O Regulamento Municipal do Direito à Habitação foi aprovado em 2019 e veio harmonizar as regras para os diferentes programas municipais nesta área. Porém, diz Filipa Roseta, enquanto nos casos da renda apoiada e do subsídio municipal ao arrendamento “as pessoas têm de residir em Lisboa” para se poderem candidatar, isso não acontece para a renda acessível. “Este é o único que é aberto a todo o país ou até a pessoas que morem no estrangeiro. Isto é incongruente.”

O regulamento prevê que a câmara tem liberdade para criar “requisitos específicos, preferenciais ou de discriminação positiva” nos concursos de renda acessível, mas nenhum dos exemplos que o artigo cita diz respeito à origem geográfica dos candidatos, referindo antes outras características: famílias numerosas, unipessoais, portadores de deficiência ou bolseiros de investigação.

A ser aprovada a proposta, esta será a primeira vez que a autarquia activa esse artigo e cria uma condição de acesso. “A nossa ideia é ajudar as pessoas que estão em Lisboa a ficarem cá. As famílias precisam deste sinal”, diz a vereadora.

Em minoria no executivo camarário, a equipa de Carlos Moedas está dependente do voto favorável de pelo menos dois vereadores da esquerda para fazer vingar a ideia. Mas Filipa Roseta, que admite não saber como se posiciona a oposição neste assunto, acredita que não venha a ser precisa a calculadora. “Isto devia ser unânime, parece-me absolutamente lógico.”

A proposta estará em discussão na primeira reunião pública deste mandato, na próxima sexta-feira.

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