Chile elege primeira mulher transgénero para o parlamento

Emilia Schneider, de 25 anos, líder estudantil, é bisneta do general René Schneider, assassinado em 1970 pouco antes de Salvador Allende assumir o poder.

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Schneider foi também a primeira transgénero a presidir à Federação de Estudantes da Universidade do Chile EMILIA SCHNEIDER@INSTAGRAM

Os eleitores chilenos, que foram às urnas no passado domingo, elegeram a primeira mulher transgénero para a Câmara dos Deputados do país. Emilia Schneider, de 25 anos, foi eleita com cerca de 14500 votos pelo distrito 10, formado por seis comunas da capital, Santiago.

Estudante de direito na Universidade do Chile, ela integra o partido Comunes, de esquerda, um dos quatro que, ao lado do Partido Comunista, compõem a aliança Apruebo Dignidad, do candidato à presidência Gabriel Boric. Com 3,28% dos votos, o partido elegeu seis candidatos para a Câmara dos Deputados, mas não conquistou cadeiras no Senado.

A deputada eleita tornou-se conhecida ao longo dos últimos anos ao participar numa série de mobilizações sociais que transformaram a história recente do país. Já como estudante universitária, esteve na linha de frente da onda de protestos feministas que ocuparam as ruas em Maio de 2018 e também fez parte dos megaprotestos que, um ano depois, exigiram e conquistaram a convocação de um plebiscito para formular uma nova Constituição.

Hoje pioneira por ser a primeira mulher trans eleita para o parlamento chileno, Schneider também foi a primeira transgénero a presidir à Federação de Estudantes da Universidade do Chile (FECh), criada em 1906 e a primeira organização do tipo na América Latina. Gabriel Boric, que frequentou o curso de Direito da mesma instituição, também presidiu à FECh.

A estudante é bisneta de René Schneider (1913-1970), comandante-chefe do Exército chileno à época da eleição do socialista Salvador Allende. O general, assassinado em 1970, ficou conhecido por defender a não-intromissão das Forças Armadas na política institucional, e sua morte gerou comoção nacional.

Nas redes sociais, a deputada eleita comemorou a vitória. “Por um lado, avança o ódio. Por outro, há esperança”, escreveu, referindo-se ao facto de o ultra-direitista José Antonio Kast ter passado à segunda volta juntamente com Boric, de esquerda. Kast, entre outros pontos, defende o regime de Augusto Pinochet e recusa-se a chamar o período de ditadura.

Entre as propostas que apresentou durante a corrida eleitoral, Schneider possui uma extensa lista voltada para as mulheres, as crianças e a população LGBTQIA+. Políticas voltadas para os direitos reprodutivos, como a legalização do aborto, estão entre as prioridades.

A chilena também afirmava que, se eleita, juntar-se-ia a outros parlamentares para pressionar por mais apoio para a Assembleia Constituinte. Priorizar a tramitação de assuntos relativos à formulação da nova Constituição é uma das medidas entre as suas propostas.

O fortalecimento da educação pública, com estímulo às discussões sobre educação sexual nas escolas, bem como a reformulação do sistema de pensões privadas no país, tema recorrente nos protestos populares, também integram o programa apresentado por Schneider.

Em entrevista à rádio local ADN após a divulgação dos resultados oficiais, a deputada eleita disse que, quando assumir o assento parlamentar, vai dar prioridade ao impulso a medidas que combatam os efeitos da pandemia —38 mil chilenos morreram de covid-19, e cerca de 83% da população está com esquema vacinal completo.

Schneider disse que, se por um lado está feliz, por outro vê-se preocupada com o avanço dos discursos de ódio, “que se aproveitam do medo”. “Estamos convivendo com distintas visões, mas os sectores que acreditam que todos merecemos mais direitos e dignidade são a maioria”, declarou.

A chilena afirmou que uma possível eleição de Kast representaria um retrocesso para as mulheres e a população LGBTQIA+. “Com [Donald] Trump, nos Estados Unidos, e [Jair] Bolsonaro, no Brasil, vimos um aumento nos ataques de ódio contra a nossa comunidade”, disse. “A nossa dignidade enquanto mulheres foi posta em risco.”

Declaradamente contrário ao direito ao aborto, Kast, então deputado, foi um dos parlamentares mais activos contra a promulgação da Lei de Identidade de Género, que em 2018 permitiu que pessoas trans actualizem dados como o nome e o sexo com os quais foram registadas ao nascer.

Exclusivo PÚBLICO/Folha de S. Paulo

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