Abstenção e chavismo são os grandes vencedores das eleições regionais venezuelanas

Oposição conquistou apenas três dos estados onde se votou. Missão de observação da União Europeia vai determinar se há condições mínimas para confiar no processo eleitoral como saída da crise.

Foto
O poderoso Diosdado Cabello, ex-vice-presidente, comentou os resultados em directo a partir da sede do partido no poder Rayner Pena R/EPA

Seis em cada dez venezuelanos ficaram em casa nas primeiras eleições em cinco anos a contarem com a participação da oposição maioritária, uma votação que se espera venha a abrir caminho a umas presidenciais livres daqui a dois anos. Face a uma oposição incapaz de se unir, e com alguns partidos a apelar à abstenção por considerarem que este processo só serve para o Presidente, Nicolás Maduro, ganhar tempo, o chavismo venceu em 20 dos 23 estados que iam a votos e no governo de Caracas.

Figuras importantes da oposição como Juan Guaidó mostram-se ambíguas sobre se defendiam a ida às urnas, enquanto outras, como Leopoldo López, exilado em Madrid, consideravam mesmo que não participar era “um grito de liberdade”. Recorde-se que em 2019, a Assembleia Nacional, dominada pela coligação de opositores Mesa de Unidade Democrática, declarava não reconhecer a reeleição de Maduro e nomeava Guaidó presidente interino – uma nomeação que chegou a ser reconhecida por mais de 60 países, incluindo Portugal. Maduro sobreviveu, venceu as legislativas que se seguiram, e entrincheirou-se no poder, ao mesmo tempo que se agravava a situação dramática em que vivem muitos venezuelanos. 

Falhada uma nova tentativa de unir a oposição, a facção menos radical decidiu aceitar os resultados das negociações que se realizaram no México para tentar pôr fim à profunda crise política, social e económica, aceitando participar na votação.

Mas a quase ausência de campanha nas ruas, com muitos eleitores a ignorarem o nome dos candidatos, num país exausto pelo confronto político, beneficiou naturalmente o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), que tinha ainda do seu lado todo o aparato eleitoral do Estado. A vitória era tão certa que o Presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, deu os parabéns a Maduro antes da Comissão Nacional de Eleições (CNE) anunciar os resultados. O Governo voltou a demonstrar que mantém a capacidade de mobilizar a sua base, estimada pelos analistas em pouco mais de 20% da população. Votaram 41,8% dos eleitores.

Assim que os resultados foram conhecidos, a frase “Vitória histórica da revolução” surgia escrita em maiúsculas nos ecrãs de quem acompanhasse a noite eleitoral através do canal de televisão público. “Obrigado, venezuelanos, obrigado povo”, afirmou Maduro, lembrando que estas são as nonas eleições durante o seu mandato mas sem notar que nas últimas duas a oposição não se apresentou, por considerar que não tinham garantias de que seriam justas.

Na sede do PSUV, uma das figuras mais proeminentes do chavismo, Diosdado Cabello, ex-vice-presidente, comentou os resultados em directo: “Aqui quem designa o Presidente não são os Estados Unidos nem a União Europeia, é o povo da Venezuela”, afirmou para quem o seguia no estrangeiro.

Ainda antes do anúncio dos resultados, Henrique Capriles, que enfrentou Hugo Chávez e Maduro em eleições presidenciais, manifestou reservas sobre o processo, notando que o encerramento tardio das assembleias de voto podia ser sinal de fraude. “Maduro e o seu partido ordenaram à CNE que não fechasse as assembleias quando já não há eleitores nem nas filas nem no interior”, escreveu no Twitter. “Procuram eleitores que NÃO existem.”

Apesar de tudo, nas primeiras eleições com observadores internacionais depois de um intervalo de 15 anos viram-se também alguns candidatos da oposição serem bem recebidos em bairros chavistas, algo que há muito tempo não acontecia. A missão de observação da UE, que divulgará na terça-feira o seu relatório preliminar, vai determinar se há condições mínimas para confiar no processo eleitoral como saída da crise.

Com o processo de negociações congelado, o ex-chefe de Governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, em Caracas a convite da Comissão Eleitoral, defendeu que estas eleições devem servir para recomeçar o diálogo entre o Governo e a oposição.

Sugerir correcção
Ler 11 comentários