Quem quer ser professor? Eu não quero! Eu não quero!

No final desta história, o jovem ainda queria ser professor, porque tinha a consciência de que muitos seriam os momentos em que o professor estaria lá para ouvir os seus alunos, para os aconselhar e apoiar nas suas dificuldades de aprendizagem ou nas questões emocionais.

Poderia ser o início de uma daquelas histórias encantadas da carochinha, nas quais percorremos o mundo do fantástico, mesmo com um ou outro obstáculo, mas que terminam sempre com um final feliz! Porém, e infelizmente, parece que esta história de “ser professor” ter-se-á tornado um daqueles filmes de terror, uma espécie de pesadelo da educação, no qual surgem demasiados Freddy Krueger.

Era uma vez um jovem, que desde muito cedo tinha a ambição e a motivação de ser professor. Talvez por ter tido excelentes exemplos enquanto aluno, aqueles professores que fizeram a diferença, de tal forma que permaneceram na memória da sua formação pessoal e emocional, e também por ser um jovem íntegro, com valores éticos, ao ponto de ambicionar transformar a vida de crianças pela via do ensino.

Esse jovem tinha o desejo, provavelmente também a vocação, de ser professor, e sabia que, de forma unânime, se reconhecia o valor da educação na sociedade, e que um bom professor era imprescindível, mesmo que essa mesma sociedade o pudesse olhar “apenas” como babysitter dos filhos. Mas ainda que os pais desse jovem desejassem os melhores professores e uma escola de excelência para o seu filho, eram pais que não desejavam que o seu filho fosse professor. Este é o primeiro patamar da desvalorização social da profissão de professor, uma primeira desqualificação profissional entregue desde cedo pela sociedade.

Não deixa de ser curioso, desde cedo, ainda no 1.º ciclo do ensino básico, quantas eram as crianças que se referiam aos seus professores com carinho, com um reconhecimento que os transformavam em ídolos das suas, ainda recentes, vidas. Os alunos reconheciam e olhavam para o professor com afeto e amizade, tornando-se muitas vezes a energia de que estes precisavam para continuar a lecionar. Os professores possuíam como o seu combustível assistir e acompanhar os progressos dos seus alunos, quando começavam a ler, quando descobriam com curiosidade a solução de um problema, quando ultrapassavam barreiras físicas e cognitivas, quando conquistavam sucessos, prémios de vida e adquiriam competências, quando eram os únicos braços que envolviam crianças ou jovens que, muitas vezes, não tinham outros braços com que ser abraçados!

Este jovem, que queria ser professor, sentia a confiança para correr atrás do seu sonho e objetivo, porque o seu incentivo teria sido dado pelos que acreditavam na nobreza dessa profissão, os seus professores! Eram esses mesmos professores que iam deixando no seu legado as aprendizagens e conquistas dos alunos, mas era o toque e o olhar, a palavra no tempo e hora certa, o reconhecimento e a valorização que marcavam cada aluno, que o transportavam para outro patamar de sucesso e, esse legado, no mundo de todas as outras profissões, era do professor!

É então que este jovem é questionado por muitos outros profissionais sobre porque queria ser professor. A maior parte não eram professores, mas habitavam o edifício onde se tomam decisões sobre educação.

As dúvidas que assolavam este grupo de estranhos ao fenómeno educativo eram grandes. Porque queria ser professor, se não seria valorizado pelo trabalho que teria diariamente no seu tempo letivo com centenas de alunos? Porque queria ser professor, se teria em cada turma mais de 25 alunos, alguns indisciplinados, outros dependentes de toda a ação, outros de famílias desestruturadas, outros de contextos desfavorecidos, outros de contextos muito favorecidos, com tantas e as mais diversas características, muitas que nem os pais as conheciam?

A questão era reforçada a cada momento. Porque queria ser professor, se não seria valorizado no tempo de trabalho não letivo? Porque queria ser professor, se aquele tempo, em que estaria em casa ou na escola, a preparar as suas aulas para tantas turmas, personalizando o trabalho para os seus alunos, para os incluir, para flexibilizar o currículo, refletindo em estratégias de trabalho-projeto, de forma a tornar a aprendizagem mais significativa, a preparar e construir recursos, em reuniões de discussões burocráticas, em formação contínua, a preencher tabelas, grelhas, mapas, diários, e mais um conjunto de documentos que ninguém leria, sem saber se teriam efeito pedagógico?

A desconfiança era imensa. Porque queria ser professor, se não teria um sistema de avaliação justo, se não teria um vínculo à carreira, se não seria valorizado pelas lideranças, pelos pares, pelas famílias, se não teria as condições de trabalho físicas e emocionais, se trabalharia em escolas sem aquecimento, sem recursos digitais, sem recursos que iriam do mais simples lápis e caderno de escrita, a um computador ou mesa de trabalho, se não teria um salário justo de uma carreira demasiado longa para a sua exigência intelectual e emocional? O jovem que tinha entrado nesse edifício da educação sentia-se pressionado a abandonar o seu sonho de ser professor, perdia a esperança de ter escolas superiores de educação e universidades que o ajudassem, assim como outros que sonhavam como ele.

Seriam fechados cursos, reformulados os espaços para se aprender a ser professor! Mesmo esses espaços de formação inicial de professores também precisavam de compreender que o atual professor não poderia mais “dar” aulas, o professor seria um dinamizador dos conteúdos, gestor de conhecimentos, e não seria mais a fonte primária do conhecimento, fortaleceria o seu papel e teria de compreender que seria ainda mais importante no mundo atual, reforçando-o e ajustando-o ao quotidiano de uma prática educativa que se pretenderia moderna e revitalizada. Além disso, o jovem percebeu, naquele edifício educativo onde se encontrava, que ser professor era algo muito complexo, porque trazia um conjunto de profissões acopladas, que iam desde o psicólogo, ao enfermeiro, ao juiz, ao contabilista, ao polícia, ao assistente social, ao administrativo e, de vez em vez, a um pedagogo!

Porém, o jovem, forte e determinado, queria ser professor, insistia em querer fazer a diferença na sociedade, pretendia dedicar-se a atividades de investigação, estar em constante aprendizagem ao longo da vida, produzir e incentivar conhecimentos nos seus alunos. Este jovem queria entrar numa sala de aula, renová-la, no seu ecossistema, conviver com professores mais experientes que o ajudassem na transferência profissional, que o apoiassem numa integração saudável e ao mesmo tempo ser o próprio a introduzir novas formas de trabalho, dinamismo e atualização de práticas. Pretendia também ser professor para ter a possibilidade de mostrar em sala de aula o seu lado mais humano e adquirir o respeito e a confiança dos seus alunos, quando conseguia interagir com eles, com os conteúdos, de forma interessante e diversificada, fomentando um contacto mais estreito, no processo de aprendizagem.

No final desta história, o jovem ainda queria ser professor, porque tinha a consciência de que muitos seriam os momentos em que o professor estaria lá para ouvir os seus alunos, para os aconselhar e apoiar nas suas dificuldades de aprendizagem ou nas questões emocionais. Queria transmitir o seu bom senso, a sua paciência e com muita sensibilidade e harmonia, conversar, debater e provocar o pensamento crítico nos seus alunos, num processo de educação, para ser lembrado com carinho na vida dos seus alunos.

Nesta mesma história, que se queria de encantar, constatamos a enorme necessidade de formação de professores, que permita colmatar essa necessidade urgente de jovens como este, para que não se inicie a perda de qualidade, através de um processo de (des)profissionalização que leve a uma perda significativa de qualidade do corpo docente. Hoje, estamos a caminhar para a contratação de outros profissionais que não docentes (de origem), ou de formação rápida de “docentes” que não substituirão os atuais pedagogos nessa mesma qualidade, deixando o sistema educativo órfão de um desenvolvimento profissional que levou anos a consolidar.

Ser professor implica uma vocação dura, difícil e necessária, mas continuamos a permitir que os professores continuem a ser desvalorizados. Estamos no momento de valorizar e reconhecer, de forma a envolver os jovens, inspirando-os a pretenderem aceder a esta comunidade profissional. Apesar de mal remunerados, com baixo prestígio social e responsabilizados pelo fracasso da educação, grande parte, depois de uma pandemia, de transformações na forma de ensinar, resiste e continua apaixonado pelo seu trabalho, com a força de continuar a ser professor, enobrecendo a profissão para que outros a sigam.

Aos atuais professores fica o convite para que não se descuidem na sua nobre missão de educar, nem desanimem diante dos desafios, nem deixem de educar as crianças para serem livres no seu pensamento. Os atuais professores podem ser o estímulo para os próximos, mas é preciso que muita gente desça do edifício da educação e venha conhecer o mundo real, que perceba o que está a acontecer na educação, na qual a sua política representa a visão enquanto país.

(Felizmente, esta é uma daquelas histórias de ficção criadas e distorcidas sobre o mundo real, ou então não!)


O autor escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico.

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